Advogados que atuaram nos Tribunais Militares
Uma geração de coragem
Advogados criminalistas que defenderam presos e perseguidos políticos durante a ditadura militar
Afonso Celso Nogueira Monteiro
Albarino de Mattos Guedes
Alcides Munhoz Neto
Anina Alcântara Carvalho
Antonio Acir Breda
Antonio Alves do Prado Filho
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira
Antonio Evaristo de Moraes Filho
Antonio Expedito Carvalho Perera
Antonio Lopes Sobrinho
Antonio de Pádua Barroso
Arnaldo Lopes Sussekind
Assu Guimarães
Ataliba Alvarenga
Augusto Raymundo Bonfim de Paula
Augusto Susseking de Moraes Rego
Aurelino Mäder Gonçalves
Benedito Sant’Ana da Silva Freire
Bento Rubião
Berto Luiz Curvo
Caio Mario da Silva Pereira
Cláudio Luna Scalise
Clovis de Souza Brito
Dalton Villela Eiras
Edilson M. Sperândio
Eny Raimundo Moreira
Eurico de Castro Parente
Fermino Fecchio Filho
Fernando Fragoso
Fernando Ramos David João
Fernando Tristão Fernandes
Flávio Flores da Cunha Bierrenbach
Flora Strozemberg
Francisco Amazonas
Humberto Teles Machado de Souza
Ilídio Moura
Irene Dias Luque
Jair Leonardo Lopes
Jayme Augusto de Guimarães Souza
Jeanne D’Arc Cruz Lima Narézi
João Bernardo da Silva
João Chakian
Joel Gama Lobo D’Eça
José Carlos de Castro Alvim
José Lamartine Correia de Oliveira
José Luiz Barbosa Ramalho Clerot
José Oliveira Costa
José Quarto de Oliveira Borges
José Ribeiro de Castro Filho
Julinho Santos
Julio Fernando Toledo Teixeira
Jurandir Porto
Lair Ferreira
Leticia Alencar
Loreta Valadares
Luis Carlos Borba
Luis Dariano
Luiz Jorge Werneck Viana
Luiz Salvador
Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach
Maria Tereza de Assis Moura
Marinho Mendes Machado
Mercia Albuquerque Ferreira
Miguel Aldrovando Aith
Nelson Wedekin
Newton Cordeiro
Oldemar Teixeira Soares
Oswaldo Mendonça
Otoniel Brandão Ferreira
Paulino Andreoli
Paulo Arguellis da Costa
Paulo Gerab
Paulo Goldrajach
Plínio Dutra
Regina Helena Afonso
Reginaldo Condessa Beltrami
Rogério Duarte
Ronaldo Duarte
Saint Clair Martins Souto
Valmor Giavarina
Valter Borges Carneiro
Vivaldo Brandão
Vivaldo Ramos de Vasconcellos
Lutar com palavras
Parece sem fruto
Não tem carne e sangue
Entretanto luto
Carlos Drumond de Andrade
Tive e tenho prazer por ter sido o proponente da primeira homenagem aos advogados criminalistas que atuaram na Justiça Militar em defesa dos presos políticos da ditadura, como vereador em São Paulo, em 1998, como também tive e tenho grande satisfação de ter repetido essa mesma homenagem, para todos os advogados do Brasil, como Deputado Federal, na Câmara dos Deputados, em 2003.
Jubiloso, satisfeito, digo mais, orgulhoso por ser o proponente, mas não um orgulho que estufa e que tangencia a soberba, muito menos o que tempera a empáfia. Esse orgulho forte é dirigido pela humildade, guiado pelo reconhecimento e comandado por um forte tom de gratidão.
Tenho vários motivos pessoais que, por si só, poderiam justificar a proposição destas solenidades.
Poderia justificá-las e ao mesmo tempo agradecer, publicamente, os meus advogados Jose Carlos Dias, Antônio Mercado Neto e Volney da Cunha de Moraes. Eles foram brilhantes na minha defesa. Eu os vi relaxando um flagrante – e como era difícil, logo em janeiro de 69! – e, após o êxito, ato contínuo, a decretação da prisão preventiva. Uma frustração! Mas vi, também, uma acusação de crime permanente, fundada em uma dezena de artigos, buscando mais de vinte anos de condenação, cair um a um e sobrarem seis meses de prisão, com quase quatro já cumpridos. Vi abrirem mão de uma apelação porque seu julgamento levaria mais tempo do que cumprir o saldo da pena. E não era possível apelar em liberdade. Vi irem me buscar aos poucos minutos do dez de setembro porque à meia noite do dia nove a pena estava cumprida. Dizem as más línguas que José Carlos Dias transformou-se num excelente advogado criminalista porque eu fui uma boa cobaia, seu primeiro cliente acusado de crime político.
A justificar poderia estar a oportunidade que a prisão me ofereceu para conhecer as pessoas que conheci, os casos concretos que ouvi, as situações que presenciei, o convício restrito com minha família e os poucos amigos que sobraram, o apoio que me deram e o sofrimento por que passaram. A justificar poderia estar meus novos companheiros de presídio, seus familiares e seus dedicados advogados, suas histórias. E os sofridos momentos seguintes aos das visitas. Tudo isso me fez viver um tom dialético na minha vida real, que me tornou um persistente apaixonado pelo direito, um apegado militante das causas sociais e um discípulo da política.
Acho que tudo começou em casa, com meu pai, falecido em 2003. Ele foi delegado de polícica e não se curvou às pressões que viveu como delegado do DOPS, mesmo tendo um filho preso. O nome dele era Assis Mentor Couto Mello. Tenho ainda na família Angélica de Maria Mello de Almeida, uma das criminalistas homenageadas, primeira mulher Juíza do Tribunal de Alçada Criminal e hoje Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Tenho o Antônio Mentor, Deputado Estadual pelo PT de São Paulo, irmão de sangue e de luta, e o Assis Filho, que é o caçula e o suporte das nossas disputas eleitorais. Sem falar na D. Ozita, minha mãe, guardiã de tudo e de todos. Foi em casa que tudo começou e temos motivos para comemorar o respeito ao que é público e, ao mesmo tempo, homenagear uma advogada, filha ou irmã.
Seria um bom motivo eu saudar um dos homenageados, companheiro de cela, Antônio Expedito Carvalho Perera, meu cunhado, cuja história foi contada em um livro recente, “O Homem que Morreu Três Vezes”, cuja versão, apesar dos reparos significativos da família, acabou sendo confirmada pela vida de Paulo Parra, na Itália. Graça, minha esposa, irmã do Antonio, que conheci na prisão, meus filhos Andréa, Daniel, Renata, as netas Tainá e Sophia e eu temos respeito pela opção militante que fez na vida. Um irmão ou cunhado ou tio homenageado é motivo de satisfação.
Depois de muitos anos, homenageio – e podia ser só esse o motivo – Antônio Funari Filho, preso como advogado militante e que esteve comigo, na mesma época, na mesma faculdade e na mesma cela; o Berto Curvo, que era estudante quando preso, parceiro de cela e também está entre os homenageados. Há tantos amigos aqui, como Maria Regina Pasquale, Belisário, Mariz, Greenhalgh… tantos outros…
Enfim, meus advogados, irmã, cunhado, contemporâneos de faculdade e companheiros de cela, amigos, muitos amigos homenageados. É uma satisfação grande poder homenagear tantos advogados conhecidos, principalmente …, pela defesa de presos políticos na ditadura.
Só esses motivos pessoais já eram razão para propor as homenagens, mas garanto que esses não são os reais e verdadeiros motivos que me fizeram realizar essas solenidades.
Em 2003, tínhamos 35 anos do Congresso de Ibiúna, hoje 45; eram 55 anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, hoje, 65; mas também, agora, são 45 anos após a edição do AI-5, 50 anos do início da ditadura. Não escrevo estas linhas para rememorar fatos que queremos esquecer, mas para comemorar acontecimentos que precisamos tornar perenes, que precisam ser relembrados, uns para que nunca mais aconteçam e outros como valores que alicerçam a construção da cidadania, da história e da cultura do nosso País.
Propus as homenagens porque, nos anos 60 e 70, brasileiras e brasileiros, perseguidos pela ditadura por lutarem pela democracia, procuraram profissionais competentes, hábeis, argutos e aguerridos, que tivessem capacidade de estreitar as acusações que lhes eram imputadas, de desmantelar incriminações que lhes faziam, que pudessem ampliar e alargar suas defesas, que defendessem e garantissem direitos e que colocassem a defesa da vida acima de tudo. Não foi tarefa fácil encontrar esses advogados.
Nas décadas de 60 e 70, brasileiros e brasileiras procuraram profissionais de caráter, de fibra, firmes, destemidos, comprometidos e leais, apesar do medo que todos nós sentíamos. Naquela ocasião, qualquer deslize, qualquer derrapada, qualquer vacilo ou inconfidência podia trazer transtornos incalculáveis ao constituído e ao constituinte, ao advogado e ao seu cliente. Não se encontravam advogados assim em qualquer lugar.
Propus as homenagens porque, nos anos 60 e 70, brasileiras e brasileiros procuraram seres humanos, pessoas que muitas vezes, mais do que profissionais, foram amigos; mais do que orientar, ouviram; deram mais conforto do que respostas; foram menos advogados e mais psicólogos; menos procuradores e mais solidários. Não raro, apesar da distância técnica necessária para que o advogado possa desenvolver sua boa defesa, eles viraram verdadeiros entusiastas, torcedores dos seus clientes.
Podíamos achar, alguns de nós, que o trabalho jurídico fosse infrutífero – e muitas vezes foi; a ação da defesa, parte da encenação e da farsa para legitimar a ditadura – e muitas vezes foi; a atuação do advogado algo dispensável, já que quase todo o final era conhecido antecipadamente – e muitas vezes era. Tudo isso teve parte de verdade.
Mas também foi verdade – e por isso eu propus as homenagens – que brasileiras e brasileiros procuraram profissionais nos anos 60 e 70 que, acima de tudo, sabiam dar valor a um minuto na vida; profissionais que sabiam a falta que esse minuto de tempo poderia fazer para a liberdade e que muitas vezes era o suficiente para que a pressão psicológica ou a tortura rendessem o preso; sabiam que mais um minuto poderia causar a quebra da resistência pessoal e que poderia ser o último, porque colocava em risco a própria vida do cliente sob tortura.
Propus as homenagens para que, brasileiras e brasileiros pudessem homenagear advogadas e advogados que contribuíram com todo seu conhecimento e capacidade na defesa da liberdade, dos vários minutos que cada um de nós, de todo o povo, temos de vida em democracia. Brasileiras e brasileiros procuraram, nos anos 60 e 70, seres humanos, muitas vezes para que não nos esquecêssemos e mantivéssemos a lembrança final desses acontecimentos.
Reafirmo minha satisfação incontida e redobrada e meu modesto orgulho de ter proposto as homenagens na Câmara Municipal de São Paulo e na Câmara dos Deputados porque brasileiros e brasileiras, nas décadas de 60 e 70, procuraram profissionais competentes, aguerridos e destemidos que sabiam digladiar dentro da boca do leão, apenas com um alfinete. Naquela época difícil, brasileiros e brasileiras procuraram amigos e às vezes confidentes e encontraram os senhores e as senhoras, homenageados e homenageadas.
Parabéns!
José Mentor Guilherme de Mello Netto
Deputado Federal por São Paulo (2000/2004, 2005/2010 e 2011/2014), Ex-Deputado Estadual (1989/1991), ex-Vereador em São Paulo (1991/94, 1995/98 e 1999/2000).