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Advogados

Márcia Ramos de Souza

12 de dezembro de 2022

Uma triste recordação

1.975. Luiz Eduardo (Greenhalgh) saíra para pescar e eu ficaria atendendo, em sua ausência, familiares e amigos dos nossos clientes. Nessa tarde de calor, voltando da Auditoria Militar, onde havia retirado autorizações do DOPS para visitas aos clientes, encontrei a sala de espera do escritório lotada de esposas e parentes do pessoal da “P.M.”, que havia sido preso e acusado de participar do PCB (Partido Comunista Brasileiro).

Ainda não havia sentado, quando entrou na minha sala de trabalho a secretária, pálida e assustada, dizendo-me para atender por telefone a sobrinha do cliente JOSÉ FERREIRA DE ALMEIDA.

Foi assim que eu soube da morte de JOSÉ FERREIRA DE ALMEIDA nas dependências do DOI-CODI, na rua Tutóia.

A esposa estava aguardando por informações de seu marido na sala de espera do escritório e caberia a mim dar-lhe a trágica notícia.

Conversando com a referida sobrinha, perguntei se aquela senhora de mais de 60 anos, de cabelos grisalhos e olhos vivos, que costumava animar as outras senhoras – companheiras da inusitada situação, vez que da noite para o dia seus maridos deixaram de ser “autoridades” para serem perseguidos, ameaçados e presos – teria algum problema de saúde que recomendasse a presença de um médico.

Combinamos que ela viria ao escritório para juntas contarmos o sucedido.

Liguei a seguir para alguns amigos e colegas de Auditoria, tentando alcançar Luiz Eduardo, antes de sua partida para a viagem programada, e para trocar ideias a respeito das providências a serem tomadas.

Ato contínuo, prevendo a chegada da sobrinha do Sr. JOSÉ FERREIRA DE ALMEIDA e do impacto que a informação iria causar a todos ali presentes, chamei sua esposa para conversar reservadamente em minha sala.

Alegremente me informou que não havia chegado em primeiro lugar e que não queria “furar a fila” para ser atendida.

Por minha vez, esclareci que sua sobrinha estava chegando ao escritório, razão pela qual a chamara e que não havia boas notícias para ela, tendo recebido um recado de que seu marido não estava passando bem no DOI-CODI.

Ela olhou-me direta e profundamente e, segurando-me as mãos, perguntou-me de forma firme se ele havia sido assassinado.

Não consegui responder-lhe nem negativa, nem afirmativamente, quando a porta se abriu e entrou na sala sua sobrinha, abraçando-se ambas e elas a mim, todas chorando.

A outras situações dramáticas assisti, e participei da indignação, da injustiça, da tristeza, do medo, da insegurança e da violência destes tempos, porém nunca me senti, como nesse momento, tão impotente.

Márcia Ramos de Souza é Advogada e Procuradora do Estado aposentada

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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