Marcelo Santa Cruz
Advogado dos direitos humanos
Exerci a advocacia em defesa dos perseguidos, face sua atuação política contrária a ditadura civil-militar implantada no Brasil, a partir de 1º de abril de 1964, com atuação nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco.
Faço parte de uma família numerosa, nasci em Recife, em14 de janeiro de1944, somos dez irmãos. Meu pai, médico sanitarista, LINCOLN de SANTA CRUZ OLIVEIRA, e minha mãe, ELZITA SANTA CRUZ, que fez em 14 de outubro último, 100 anos de existência. Ele notabilizou-se na sua incansável luta pelo esclarecimento do sequestro, tortura e desaparecimento, eufemismo de assassinato, de seu 5º filho, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira e de seu amigo Eduardo Collier Filho, ocorrido no dia 23 de fevereiro de 1974, na cidade do Rio de Janeiro.
No dia 1º de abril de 1964, estudante secundarista, participei de uma manifestação de rua contra a deposição do Presidente da República João Gulart e do Governador dos Pernambucanos, Miguel Arraes, legitimamente eleitos pela vontade popular. Naquela ocasião, poucos metros de onde me encontrava, vi tombar, vítimas de balas assassinas, os estudantes IVAN DA ROCHA AGUIAR e JONAS JOSÉ DE ALBUQUERQUE BARROS. Dois dos primeiros mártires pela redemocratização do pais.
Iniciava, em 1966, o curso de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na tradicional Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e minha participação política no Movimento Estudantil Universitário.
No ano seguinte, 1967, meu irmão mais novo, Fernando Augusto, ainda adolescente, preso em uma manifestação de rua, junto com o seu amigo Ramires Maranhão do Vale, também adolescente, protestavam contra o chamado acordo MEC/ USAID; ambos permaneceram pelo período de dez dias no Juizado de Menores do Recife, Capital de Pernambuco. Nesta época, cursava o 2º ano, foi a minha primeira causa, a defesa de meu irmão e de seu colega, recolhidos junto aos adolescentes infratores sob as disposições contidas no Código de Menores.
Dezembro de 1968, sexta feira 13, era editado pelos militares que governavam o País, o famigerado Ato Institucional Nº 5, as liberdades que restavam no precário ordenamento jurídico do País foram suprimidas por completo, a draconiana pena de morte foi instituída, ocorreram milhares de prisões e cassações de mandatos de parlamentares e sindicalistas, implacável foi a censura nos meios de comunicação, extinguiu-se o Habes Corpus.
No âmbito das universidades e estabelecimentos de ensino do País, os estudantes e professores receberam como instrumento que institucionalizava a repressão, o Decreto Lei 477/69, produto do Ato Institucional Nº 5. Em consequência, foram introduzidos como política metodológica e educacional, o medo e a delação: centenas de estudantes e professores, geralmente os melhores, foram expulsos e proibidos de frequentar qualquer estabelecimento de ensino.
Acadêmico do 4º ano, fui estagiário do escritório do advogado Sergio Murilo Santa Cruz Silva, um dos mais respeitados criminalista de Pernambuco.
Respondi a três inquéritos instaurados na Faculdade de Direito, por determinação dos órgãos de segurança. Fui punido em setembro de 1969, pelo motivo de ser membro do Diretório Acadêmico, participar da arregimentação dos estudantes em favor da União Nacional dos Estudantes – UNE. Essa medida, aplicada de acordo com o que preconizava o Decreto Lei 477/69, punia professores e alunos com a proibição de frequentar ou lecionar em qualquer estabelecimento de ensino: os estudantes pelo período de três anos e os professores, de cinco. As perseguições se tornaram frequentes contra a minha família; eu assumia, como estudante, minha própria defesa e de meus colegas. Posteriormente, tive que sair do País, mas consegui matricular-me na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, na perspectiva de continuar o meu curso. O governo brasileiro descobriu e exigiu que Portugal, à época sob a ditadura de Marcelo Caetano, me impedisse de continuar os estudos em terra Lusitana.
Retorno do exílio em 1971, fixo residência no Rio de Janeiro e venho a concluir o curso de Direito em 1973, na Faculdade Cândido Mendes. Nesta época, é presa e barbaramente torturada no DOI-CODI do Rio de Janeiro, minha irmã Rosalina de Santa Cruz Leite e o seu esposo, Geraldo Leite.
Desta forma, exercí a profissão praticando desde a época de estudante, nas defesas que fazia em causa própria, de meus familiares e colegas. Finalmente, advogado, inscrito na OAB/RJ, assumi de forma mais abrangente a defesa de perseguidos políticos, tendo atuado nas Auditorias e no Superior Tribunal Militar. Entre as causas que assumi, houve uma que ainda não foi concluída, é a dos desaparecidos políticos, entre eles, encontra-se meu irmão Fernando Santa Cruz. Neste caso tive a honra de haver atuado junto com o destemido advogado Antônio Modesto da Silveira e o maior de todos os advogados, o Professor Sobral Pinto. A questão dos desaparecidos é uma causa permanente e somente ocorrerá sua conclusão, com os esclarecimentos desses sequestros e assassinatos sob tortura.
Integrei o Comitê Brasileiro de Anistia, no qual havia uma Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos, da qual fazia parte. As atividades dessa Comissão eram articuladas com outras duas, a dos Presos e Torturados e a dos Exilados e Perseguidos. Era um trabalho de suporte jurídico aos familiares, carregado de muitas emoções, pois não era fácil listar nomes de pessoas tão próximas em situação de morte, prisão, exílio, banimento e desaparecimento. São experiências profissionais dolorosas, mas inesquecíveis para qualquer pessoa que tenha vivido algo semelhante. Após muitas batalhas, conseguimos a tão sonhada Anistia, em 1979. Ela não aconteceu como queríamos: Ampla, Geral e Irrestrita, mas permitiu a volta de muitos brasileiros que permaneciam no exílio e a liberdade de outros tantos que ainda penavam nos cárceres da ditadura. Devemos comemorá-la com alegria, mas não podemos permitir o esquecimento de que ainda faltam mortes e desaparecimentos sob tortura a serem esclarecidos e seus responsáveis identificados e exemplarmente punidos nos termos da lei.
Fui, em 1980, um dos fundadores do Movimento Nacional dos Direitos Humanos – MNDH, onde continuo militando, e da Rede Nacional dos Advogados Populares – RENAP, exercendo a advocacia a serviço dos SEM TERRA e dos SEM TETO, daqueles que são excluídos e marginalizados pelo sistema capitalista de produção, por isso, sou advogado dos Direitos Humanos.
Marcelo Santa Cruz é Advogado, Militante dos Direitos Humanos, Membro da Comissão da Verdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Membro da Coordenação do Comitê Memória Verdade e Justiça de Pernambuco e Vereador de Olinda, pelo PT-PE.
Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014
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