carregando...

Advogados

Herilda Balduíno

6 de dezembro de 2022

A luta para a prevalência da lei

Como advogada conselheira da Seccional da Ordem do DF, fiz parte da 1ª Comissão de Direitos Humanos criada pelas Seccionais da OAB no Brasil. A comissão tornou-se o centro das atividades na defesa de todas as pessoas que sofriam violência e violações de direitos humanos, por suas militâncias políticas ou que se opunham aos desmandos e arbítrios da ditadura militar.

Na condição de membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, exercíamos uma contínua e persistente atividade que nos colocava diuturnamente na luta para coibir abusos e dar assistência a todos os que só tinham a OAB como espaço de proteção e segurança da sociedade civil brasiliense.

A OAB se transformou em uma oficina onde se produziam os trabalhos jurídicos necessários para o exercício das funções da advocacia em prol de uma população acuada pelos aparelhos de repressão do Estado.

Brasília era uma cidade sem representação política, cujo povo não podia contar com a grande imprensa, com partidos políticos expressivos e organizações populares fortes.

A nós advogados cabia atender a todas as demandas que surgiam em razão da forte repressão, da censura, das prisões ilegais, da perseguição contra principalmente estudantes, sindicalistas, intelectuais, professores e o povo em geral.

De certa feita o General Newton Cruz, que era o executor das medidas de emergência decretadas no Distrito Federal, deixou a cidade completamente isolada, pois as forças militares tomaram conta de todos os caminhos de entrada e saída de Brasília, impedindo, prendendo as pessoas que chegavam de carro, de ônibus e outros veículos, de entrar ou sair da Capital Federal.

A cidade sitiada se deslocou para as ruas e ocupou seus espaços públicos mais importantes. Não demorou a ordem do arbítrio em determinar a prisão de estudantes, sindicalistas, professores, funcionários públicos e toda sorte de gente que expressasse sua oposição e da militância que exigia a volta da cidade a sua normalidade, restaurando a cidadania brutalmente violentada.

Em consequência, as pessoas que se manifestavam foram presas e conduzidas à Polícia Federal, onde funcionava o DOPS, que se isolava de tudo e de todos, cercada com arame farpado e fechada por uma porteira, trancada por corrente presa a um cadeado. Devidamente guardada por agentes da Polícia Federal em toda a sua extensão, era impossível acesso às pessoas presas no DOPS.

A ordem dada pelo executor das medidas de emergência, o General Newton Cruz, era de que os presos se encontravam em estado de incomunicabilidade.

Foi então que, após uma conversa com o advogado Sepúlveda Pertence, tratei de resolver a situação inusitada da ordem ilegal que transformou o espaço do DOPS num lamentável campo de concentração. E então foi proposto um mandado de segurança para garantir aos advogados o direito de se comunicarem com os presos.

E, como estratégia, ajuizamos a petição no final do expediente, para evitar maiores delongas no tramitar do pedido. O Juiz de Plantão se mostrava muito preocupado com a situação de saber de tantos presos e dos vários advogados que denunciavam o arbítrio e solicitavam uma solução jurídica para o caso.

Mas, apesar da situação tensa, o juiz concedeu a liminar e afinal entregou a seu escrivão o ofício para que fosse cumprida sua ordem, que determinava a quebra de incomunicabilidade dos presos. Em razão disso, as prisões foram relaxadas e todos os presos foram postos em liberdade. Foi o primeiro chute nas portas da ditadura.

O general Newton Cruz quebrara a cara mais uma vez na repressão que comandava em Brasília.

É incontável o número de habeas corpus de acompanhamento a inquéritos nas delegacias, audiências em varas criminais e cíveis, tanto na Justiça comum como na Justiça Federal, como nos tribunais, durante todo o tempo da ditadura, que não encontrava limites na força e disposição de trabalho de abnegados advogados e de sua instituição destemida.

Participei dos Júris como assistente de acusação dos assassinos do Padre Josimo e defendi religiosas e posseiros perseguidos na conflituosa região do Bico do Papagaio, na luta pela reforma agrária.

Herilda Balduíno de Souza é Advogada de Direitos Humanos, Presidente da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



Conheça mais advogados

Newsletter.

Assine e receba os conteúdos no seu e-mail.