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Advogados

Ronilda Noblat

6 de dezembro de 2022

Uma advogada destemida

Requerimento ao Conselheiro Presidente da OAB -BA

Ronilda Noblat, advogada inscrita nesta Seção, vem a V. Exa. expor e requerer nos termos que seguem.

I . Como sabe V. Exa. (e se pode dizer notório), a Suplicante, durante a fase de exceção e arbítrio da qual a Nação se vai libertando, tem sido dos advogados que intensamente atuam na defesa dos acusados de crimes políticos. Procurou cumprir essa atividade com independência e intrepidez, sendo, ao lado dos acusados, “a voz dos seus direitos legais”, e tendo que ser, não raro, ao lado dos perseguidos e torturados, dos “humilhados e ofendidos”, voz a clamar contra tais ignomínias, clamar, talvez, aos Céus, já que a violência campeava segura da impunidade, parecendo não haver terreno capaz de contê-la.

II . Retoma a Nação os rumos de sua vocação para a liberdade. Facilmente não se pode erradicar, todavia, a erva daninha que medrou à sombra do arbítrio e, em lugar da onipotência da autoridade, quer se instaurar o terrorismo de ódios irreconciliáveis.

Como é do conhecimento público, através de amplo noticiário da imprensa, diversas pessoas têm sido ameaçadas em sua vida e segurança, por via sempre do anonimato. A isso não tem escapado a Suplicante. Depois de vários telefonemas desse teor, recebe agora a carta (anônima, obviamente) cuja cópia junta à presente.

III. Poderia a Suplicante exibir esse triste papel e silenciar. Ele, em si mesmo, melhor do que qualquer comentário que se possa tecer, dá toda a medida da torpeza e da malignidade de quem o concebeu e elaborou.

Nele se faz, fria e perversamente, aberta ameaça de morte, não só contra a Suplicante, mas também contra os seus filhos.

IV. Não que a Suplicante entre em pânico diante disso. Como advogada, não fugirá ao seu dever da defesa dos que confiaram no seu patrocínio, e a exercerá com a independência que é tradição e dignidade da nossa profissão, essa independência da qual dizia BERRYER não ser privilégio concedido ao orgulho dos advogados, senão “la plus sérieuse peut-être des garanties de sécurité et de justice dans la societe civile.”

Inquieta-se, porém, e tem justos receios, e preocupa-se, por seus filhos sobretudo, diante da maldade desaçaimada que anuncia estar a rondar-lhe até o recesso do lar.

V. A carta – diz quem a recebeu, o porteiro do edifício onde reside as Suplicante -, foi entregue por uma mulher, a qual, antes de deixá-la na portaria, muito insistiu em levá-la pessoalmente à Suplicante, o que não lhe foi consentido.

E depois disso, um indivíduo desconhecido (de cor escura, é o que se diz) andou, no mesmo edifício, procurando identificar, na garagem, qual o carro de propriedade da Suplicante. São fatos que se acrescem, a justificar receios.

VI. Ademais, a frequência com que episódios dessa natureza se vêm repetindo em pontos diversos do País leva a admitir que alguma organização criminosa seja por eles responsável.

VII. Urge pôr cobro a esse estado de coisas, e é dever de cada um levar à autoridade pública notícia dos fatos e circusntâncias que visem conduzir à identificação e responsabilização dos que assim criminosamente vêm agindo; e a ela se hão de pedir, também, as providências devidas para segurança da vida e da incolumidade das pessoas assim dura e injustamente ameaçadas.

VIII. A Suplicante entendeu do seu dever deixar registro desses fatos no seu órgão de classe; e, além disso, porque as ameaças sob as quais ora se vê resultam de atuação que teve no exercício da profissão, espera e requer parta da nossa Ordem o pedido, à autoridade policial, da prestação das garantias de que está a carecer.

IX. Considerando que – como nesta petição se assinalou – os fatos aqui relatados reproduzem o que já tem sucedido em outras partes do País, despertando a atenção e o interesse do Egrégio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a este é encaminhada uma cópia da presente.

Salvador, 25 de outubro de 1979.

Ronilda Maria Lima Noblat foi Advogada Criminalista na Bahia. Faleceu em 2008.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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