carregando...

Advogados

Eloar Guazzelli

12 de dezembro de 2022

A defesa como razão de vida

Dante Guimaraens Guazzelli*

Eloar Guazzelli nasceu no dia 12 de agosto de 1922 em Vacaria, Rio Grande do Sul. Iniciou seus estudos primários nesta cidade, depois indo concluí-los em Porto Alegre, no colégio Rosário. Entrou na Faculdade de Direito em 1944 e se formou em 1948. Neste período teve contato com o Partido Comunista do Brasil (PCB), do qual passa a fazer parte.**Após se formar, morou e trabalhou em Porto Alegre até 1955, quando se transfere para Vacaria, voltando para a capital gaúcha, em 1962. Após o golpe de 1964, ele “notabilizou-se por ter sido o advogado que mais defendeu presos políticos no Rio Grande do Sul”: segundo o próprio, foram defendidos por ele “378 rapazes acusados. De apenas 20 não foi possível evitar a condenação.

Graças a esta atuação, Guazzelli ficou popular entre os opositores da ditadura civil-militar, o que lhe rendeu um mandato de Deputado Federal pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em 1978. Posteriormente, Eloar filiou-se ao PMDB e candidatou-se novamente em 1982, desta vez sem sucesso. A partir de 1982, dedicou-se à advocacia, o que fez até o fim de sua vida, em 1994.**Com a posse de Ernesto Geisel, inicia-se o longo processo de abertura da ditadura civil-militar brasileira. Neste período vemos um crescimento da oposição legal, através do MDB ou de instituições, como a OAB, ABI e a CNBB. O governo passa a tecer um diálogo com estes setores da oposição, demonstrando que haveria maior espaço para a democratização. Isto não impediu que no período chamado de Abertura política, que vai de 1975 até 1985, as contradições da ditadura aflorassem, em especial aquelas relacionadas ao grande e hipertrofiado aparato repressivo. Neste momento, vemos prisões, torturas e perseguições a diversos grupos da oposição; uma destas “ondas repressivas” tem como foco o Partido Comunista Brasileiro. Em 1975, com a maioria das organizações de esquerda vinculadas à luta armada já sufocadas, a repressão se volta aos membros do PCB, que haviam optado pela via pacífica e democrática de atuação.**Neste momento, Eloar Guazzelli defende diversos destes membros, ressaltando em suas argumentações as contradições da ditadura. Um destes processos vale ser mencionado devido à argumentação utilizada por Eloar: irei tratar aqui de uma apelação feita por ele ao Superior Tribunal Militar, em 1977, em nome de quatro clientes.**Eloar menciona a falta de base da condenação na primeira instância (1ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar, fixada em Porto Alegre) de dois dos apelantes, afirmando que eram “o resultado de presunções e ilações, com base no Inquérito Policial e assim sem o suficiente lastro para autorizá-las, venia concessa.” Ele ressaltou ainda que um deles se tratava “de um homem envelhecido, um tanto precocemente, dada a forte cardiopatia que sofre, de larga data, como noticiada fartamente nos autos.

Neste caso, Guazzelli chamava a atenção ao fato de que a “Segurança Nacional”, que aparentemente era ameaçada pelos clientes, por mais esforçada que fosse a retórica do acusador, em momento algum poderia ser posta “em perigo por homens mutilados, quando não velhos e doentes, como é o caso dos dois últimos apelantes aqui enfocados.” Nestas passagens vemos o advogado ressaltando o absurdo do processo, contra dois senhores que sofriam de enfermidades. O absurdo toma contornos trágicos quando imaginarmos que pairava sobre eles o fantasma da tortura.**Já no que se refere a outro defendido, Hélio, esta tragédia se concretizou: devido a sessões de tortura ele chegou próximo da morte. O advogado assim descreve a via crúcis pela qual o apelante passou:**“Efetivamente, a condenação de (…) [Hélio] que foi levado às barras do Honorável Tribunal Castrense, saindo, para tanto, do Hospital Geral do Exército, onde se encontrava internado há cerca de 2 anos, é o mais clamoroso testemunho das torturas que lhe foram infringidas e que a farsa ensaiada pela Polícia Estadual e constante dos autos através do expediente de fls. 591 à 666 não conseguiu disfarçar o monstruoso barbarismo com que foi tratado.**A propósito, lembre-se que nada menos de oito intervenções cirúrgicas foram praticadas, três no Hospital de São Paulo e cinco no Hospital Geral do Exército, nesta Capital, para que os abnegados, ilustres e eficientes médicos militares pudessem resgatar da morte o apenado (…).**E, tudo isso, somado aos lances dramáticos da decantada investigação policial, sobre a qual se assenta fundamentalmente a argumentação acusatória, para caracterizar a condição de integrante do Partido Comunista Brasileiro, pela qual já fora condenado, à revelia, pela Honorável Justiça Militar da Capital de São Paulo, em razão do que, de lá ausentando-se e adotando outro nome, aqui tentava sobreviver, à evidência, na clandestinidade.

Assim, vemos que o advogado procurava, através de sua argumentação, chamar a atenção para as contradições da dita abertura política, uma vez que buscava destacar a arbitrariedade que estava presente no processo. Enquanto a cúpula procurava mostrar que a distensão acontecia, o aparato repressivo torturava e matava indiscriminadamente.

*Dante Guimaraens Guazzelli é Mestre em História/UFRGS e neto de Eloar Guazzelli.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



Conheça mais advogados

Newsletter.

Assine e receba os conteúdos no seu e-mail.