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Advogados

Sigmaringa Seixas

6 de dezembro de 2022

A mesma moeda

“Crime político”, tecnicamente falando, não é crime. Não é delito. Mas, preso político é alguém que, sem ter cometido qualquer ato ilícito, é afastado do meio social e das suas atividades profissionais, simplesmente para não incomodar, com suas opiniões, o status antidemocrático dominante, em determinado período histórico. O preso político não é um condenado político. É um vencedor sem vitória. Mas é um vencedor, no fim das contas.

Por isso mesmo, ele sempre deve ser visto como uma figura heroica. Também por isso, ele deve merecer atenção especial de seus defensores jurídicos e judiciais. Essa atenção especial implica da parte dos advogados uma elevada dose de desprendimento e de dedicação à causa. Ambos formam uma só moeda. A mesma moeda.

Então, pode-se dizer que o advogado de preso político, assim como seu representado, não deixa de ser uma figura heroica também. Todo o empecilho à liberdade pessoal que o preso político defronta, seu advogado também enfrenta. Sofre muito juntamente com ele. Sofre por ele. E o adota enquanto um ser de justiça, um ser por quem se luta por justiça.

No Brasil, o símbolo dos patronos de perseguidos políticos foi o eminente advogado Sobral Pinto, católico fervoroso, que foi o defensor do líder comunista Luiz Carlos Prestes, de quem, além de patrono, tornou-se amigo para sempre. Na mesma linha de atuação, é célebre o episódio em que ele, na ditadura do Estado Novo, ao defender o alemão Harry Berger, que sofreu o máximo de perseguição individual por sua participação no levante de 1935, inclusive a de ficar preso em um vão de escada e de ser torturado com a penetração de um arame quente na uretra, ante todas as dificuldades que encontrava para obter sua liberdade, apelou para um argumento fatal e irrespondível: se a lei de proteção aos homens não funciona neste País, que se dê ao meu cliente a garantia do tratamento previsto no art. 14 da Lei de Proteção aos Animais.

De todas as lutas que o advogado encara no conjunto de suas atividades de representação judicial, essa, pela liberdade do preso político, é a mais nobre, digamos assim. É aquela pela qual ele tem a certeza de estar lutando para que se faça a justiça.

Não importa quem seja o cidadão. Não importa que haja identidade ideológica entre ambos. Não importa que o advogado, neste caso, tenha as certezas que seu cliente tem. A única certeza que ele tem é de que a justiça se impõe por si mesma, por inexistência do crime de opinião, do crime de alguém pertencer ao lado da oposição política. A outra certeza que o advogado tem, nesse caso, é que o espírito democrático que o autoriza a pleitear direitos por e em nome de outrem, é idêntica àquela que o seu representado tem de ter o direito de manifestar-se livremente.

Portanto, não é sequer necessária a existência de lei processual que embase a atuação do advogado em defesa de preso político. Ela pode inexistir ou estar com sua eficácia subtraída pelo arbítrio em exercício. Até o fato de as garantias constitucionais estarem, ilegitimamente, suspensas, nada disso inibe ou desencoraja o desempenho da missão do advogado. Ele atua da forma e na forma que lhe for possível. E qualquer uma dessas formas é aceitável, pois o que se visa é a defesa do mais fundamental dos valores jurídicos, que é a liberdade. A existência livre do ser humano. A liberdade é a essência da própria vida. É o que se opõe ao arbítrio, à supressão do direito ao próprio livre arbítrio.

Missão árdua, missão de grandeza humana como nenhuma outra, missão de abnegado – palavra que rima tão ricamente com “advogado”. Missão de sacrifício, que, na grande maioria das vezes, não tem a recompensa de honorários, mas tão-somente a da honra do desempenho desse nobre exercício profissional.

O próprio conceito de “advocacia” é inerente ao daquela missão abnegada. Quem a exerce é quem age por outrem, ou em nome de outrem. Advogar significa, na literalidade do verbo, chamar a si. Chamo a mim a defesa do direito alheio, por este consentido e autorizado. Nessa dimensão se pode perceber a importância do papel do advogado. E tal dimensão aumenta de grandeza e se engrandece quando a missão que lhe é inerente se destina a defender o mais indefeso dos homens, aquele que é perseguido pelo detentor do poder político usurpado, que é apenado sem pena anterior prevista na lei, pela prática de ato não tipificado na lei penal. Em duas palavras, o “preso político”.

Cabe, sim, ao advogado, o único agente da justiça capaz de enfrentar, sem temor, o poder da força política a qualquer preço, o papel de defensor dos perseguidos políticos. Nesse sentido, ele é o defensor da própria sociedade submetida, do conjunto silencioso e silenciado das pessoas subjugadas.

Tenho a honra de, modestamente, pertencer a esse corpo de profissionais que tem um passado reconhecido de lutas e enfretamentos em prol da dignidade da pessoa humana, da defesa da liberdade e de posições políticas voltadas a esse mister.

Mais do que a honra de ser advogado, tenho a enorme satisfação de aproveitar a oportunidade que me deram de escrever este artigo, onde posso enaltecer a figura dos advogados, muitos dos quais foram e são exemplos da dignidade a que me referia há pouco, homens de sólida formação intelectual, ética e profissional. Abnegados na sua atividade cotidiana.

Todos eles são exemplos de profissionais seguidos pelos advogados, os quais, por sua vez, dão demonstrações diárias de condutas exemplares a quem lhes seguirão os passos.

Luiz Carlos Sigmaringa Seixas é Advogado, ex-Deputado Federal Constituinte, ex- Deputado Federal.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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