carregando...

Advogados

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira

12 de dezembro de 2022

O professor

Minha atuação na Justiça Militar em defesa de presos políticos foi numericamente insignificante: limitou-se à defesa de um único acusado.

Uma causa, no entanto, proporcionou-me riquíssima experiência profissional e valiosa contribuição para minha formação, mercê do convívio com um homem extraordinário, o Professor Roberto Jorge Hadock Lobo Neto.

Com 69 anos de idade, fora ele, em abril de 1972, denunciado perante a 2ª Auditoria, pois teria incitado alunos da Faculdade de Filosofia de São José dos Campos, onde lecionava História da Educação, “à subversão da ordem político-social vigente no país, quer de forma sorrateira, inoculando no espírito dos desavisados o germe da guerra psicológica e subversiva, no ensinamento preconcebido e deturpado da doutrina marxista, quer de forma ostensiva, ao mandar que os alunos se sublevassem, por ocasião da morte do estudante Edson Luiz.”

A acusação o rotulou de “velho militante comunista”, fato por ele não negado em seu interrogatório, o que, por si só, já demonstrou sua coragem e retidão de caráter. Para ele, se tal circunstância o incriminasse, pouco se lhe daria, pois preferiria arcar com as consequências de uma condenação, do que negar suas convicções ideológicas. Negou, no entanto, e o fez veementemente, qualquer ação de caráter subversivo, de incitação à luta armada ou qualquer espécie de sublevação.

A denúncia foi julgada improcedente, por unanimidade, após manifestação do procurador Henrique Vailate, que postulou a absolvição do acusado.

O processo instaurado contra Roberto Jorge Hadock Lobo Neto representou, à época, a indisfarçável aversão do poder político à liberdade de pensamento. A prova oral carreada para os autos, mesmo a produzida pela acusação, realçou o aspecto exclusivamente didático das exposições e digressões políticas feitas pelo Professor. Ficou patente que sua divergência com o governo dito revolucionário se situava no campo ideológico, claro que com reflexos nas condutas concretas. Assim criticou a Lei de Diretrizes e Bases, por não dar atenção à profissionalização e a aspectos econômicos do esforço educativo, dentre outras críticas públicas que fez, mas todas com forte embasamento fático e teórico, todas contendo um acentuado sentido construtivo.

Sempre reconheceu a grande influência do pensamento de Marx, especialmente no que tange à importância dos fatores econômicos na evolução da humanidade. Jamais, no entanto, fez proselitismo da doutrina marxista, especialmente em sala de aula. Verberava, sim, as vergonhosas injustiças sociais marcantes em nossa realidade passada e presente, e ressaltava como um dos seus preponderantes fatores a quase inexistente distribuição de renda.

Como livre pensador, envolveu-se em inúmeras e célebres polêmicas, sempre defendendo os postulados éticos e humanistas como norteadores das atividades e condutas humanas. Seu notório ateísmo deve ter refletido no processo a que respondeu, pelo menos na imputação que deu origem ao mesmo.

Creio hoje que a honestidade, a transparência e o elevado porte intelectual do acusado, somadas tais características à ausência de lastro probatório para a imputação, constituíram preponderante fator para a sua absolvição.

Parece-me ter sido esse caso emblemático. Os governantes procurando punir um homem de pensamento, que o externava de forma corajosa e independente, até insolente aos olhos dos detentores do poder. Assistiu-se ao confronto entre o arbítrio e a cultura, entre a violência e o destemor.

Prevaleceu o senso de justiça do juiz auditor, dos juízes militares e do próprio acusador, que se renderam à força da coragem, do caráter e do intelecto de um homem verdadeiramente singular.

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira é Advogado Criminalista, ex-Presidente da OAB/SP, ex- Secretário de Segurança Pública de São Paulo, ex- Secretário da Justiça de São Paulo.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



Conheça mais advogados

Newsletter.

Assine e receba os conteúdos no seu e-mail.