Pedro Paulo Negrini
Meu único caso
O escritório de advocacia BANDEIRA DE MELLO NEGRINI se ocupou da defesa de pessoas acusadas de prática de crimes políticos. O escritório tinha como sócios os advogados Iberê Bandeira de Mello e Pedro Paulo Negrini. Mas quem se encarregava da área de defesa dos acusados de prática de crimes políticos era o doutor Iberê Bandeira de Mello. Eu cuidava mais da área ligada à defesa de crimes comuns, inclusive no Tribunal do Júri. É claro que o doutor Iberê também atuava nos júris, como eu, se necessário, palpitava e até atuava na defesa de crimes políticos.
Numa dessas defesas me coube representar uma pessoa acusada de editar e distribuir um jornal com mensagens políticas, e a distribuição do periódico, na periodicidade escassa em que era editado, era de apenas uma dezena de jornais.
Preparei-me para apresentar a defesa e não podia negar que o acusado era o responsável pela edição e distribuição do jornal.
Mesmo que a materialidade e autoria de um de crime estejam provados, como era o caso, nos crimes comuns a defesa pode pleitear absolvição do acusado, alegando ocorrência de várias circunstâncias, entre elas as excludentes de antijuridicidade, que tiram do fato o caráter de crime. Essas circunstâncias são o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito. Ainda restam as alegações de vícios da vontade do réu, como a coação física/moral.
Ainda restam, nos crimes comuns, os fatores de diminuição de pena, como a violenta emoção logo em seguida à provocação da vítima e os crimes praticados por relevante valor social ou moral. A defesa pode alegar que o fato não foi consumado, mas só tentado, ou que não ocorreu dolo (vontade) na conduta do réu, apenas imprudência, negligência ou imperícia.
Como se vê, na defesa de crimes comuns são inúmeras as teses à disposição da defesa. Já nos crimes políticos não havia outra defesa senão alegar a falta de materialidade (o fato não ocorreu) ou a autoria (não foi o réu seu autor).
Qualquer fato somente pode ser considerado criminoso se ofender a um bem juridicamente tutelado: no homicídio, o bem tutelado é a vida, nas lesões corporais, o bem tutelado é a integridade física, nos crimes de entorpecentes, o bem tutelado é a saúde pública, na calúnia/injúria/difamação, o bem tutelado é a honra, e assim por diante.
Para defender meu cliente, levei em conta o bem juridicamente tutelado nos crimes políticos: a segurança nacional.
Será que a edição e distribuição de uma dezena de jornais poderia afetar a estabilidade da segurança nacional? A segurança nacional era tão frágil a ponto de ser afetada pela edição e distribuição de uma dezena de jornais?
Expliquei aos juízes militares da corte o que era crime impossível, segundo conceituação do artigo 17 do Código Penal: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto é impossível consumar-se o crime”.
A segunda parte do artigo (absoluta impropriedade do objeto) não tinha nada a ver com minha defesa. Um exemplo de absoluta impropriedade do objeto é tentar matar quem já está morto. O bem jurídico tutelado (a vida) não existia mais, razão porque a vida podia ser considerada uma propriedade impossível.
O que interessava à defesa era a parte do artigo que se referia à ”impropriedade absoluta do meio”. Eu argumentei que era impossível afetar-se a forte segurança nacional com a edição e distribuição de uma dezena de jornais. A edição e distribuição de uma dezena de jornais era um meio absolutamente impróprio para desestabilizar-se a segurança nacional.
O réu foi absolvido, mas ficou totalmente insatisfeito com a defesa de seu advogado.
Pedro Paulo Negrini é Advogado Criminalista.
Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014
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