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Advogados

Antonio Funari Filho

12 de dezembro de 2022

Ato 5

Eram cinco horas de uma tarde ensolarada de dezembro de 1968. Sob o sol escaldante, estávamos eu, a jornalista Vilma Ary, cinco estudantes, entre os quais Paulo de Tarso Venceslau e Geraldo Travassos, há mais de uma hora na entrada do quartel da II Região Militar, aguardando a saída do Juiz Auditor Dr. Ailton, para lhe entregar o “Habeas Corpus” que consegui junto ao Supremo Tribunal Federal, em favor de Travassos, presidente da UNE, e dos líderes estudantes José Dirceu, Vladimir Palmeiras e do secundarista Ribas. A peregrinação se iniciara às 9 horas da manhã, quando recebemos em nosso escritório o documento tão ansiosamente aguardado, desde o dia anterior.

Imediatamente nos dirigimos à Auditoria Militar. Estava fechada, pois haviam decretado feriado militar. Fomos então à residência do Juiz Auditor, em Pinheiros; ele só voltaria para o almoço. Aproveitamos para procurar o escrivão Sala Berry na Vila Mariana, em sua casa. O funcionário se dispôs a abrir o cartório para expedição do alvará de soltura, assim que assinado pelo Juiz. De volta à casa do Juiz Auditor, fomos informados que ele já saíra, que fora convidado a comparecer à sede da II Região Militar, próxima ao Parque do Ibirapuera.

Chegamos às 15:30 horas àquele Quartel. Passava das 17 horas quando o Dr. Ailton saiu. Eufóricos, nos aproximamos do Magistrado trazendo à mão a decisão do Superior. O Juiz disse, de pronto, da impossibilidade material da expedição de alvará de soltura: “Era feriado militar.”

Como continuasse a se negar, mesmo depois de esclarecermos que o escrivão se disporia a abrir o cartório para atender sua determinação, do alto da onipotência dos meus vinte e poucos anos, disse em alto e bom som: “Infelizmente Excelência, serei obrigado a pedir sua prisão por desrespeito à decisão do STF.”

Dr. Ailton entrou e educadamente pediu para falar comigo a sós. Nos distanciamos dos demais o suficiente para que ele me confidenciasse: “Fui chamado aqui no II Exército por causa dos meninos. Se soltá-los, eu é que vou preso. Ouça hoje a Voz do Brasil e saberá por quê.”

Desapontados, todos fomos ao escritório do Dr. Aldo Lins e Silva, na Xavier de Toledo, ouvir, “em segunda mão”, o anúncio do Ato Inconstitucional N°5.

Em 27 de janeiro de 1969, detido dentro da Auditoria sob falsa acusação de “entregar um bilhete para Travassos”, fui fazer companhia aos meus clientes e ao estudante José Mentor. Só saímos em setembro. Eu, por decisão do Tribunal Superior Militar. Meus clientes, trocados pelo Embaixador dos Estado Unidos.

Tempos duros aqueles para o exercício da advocacia!

Antonio Funari Filho é Advogado Criminalista, Presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, ex- Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo e ex- Presidente do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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