José Borba Pedreira Lapa
O incansável defensor de presos políticos
Professor Othon Jambeiro*
Não sei que razões levaram o ex-Governador Waldir Pires a indicar à Assembleia Legislativa o nome do advogado José Borba Pedreira Lapa para Conselheiro do Tribunal de Contas. Mas estou certo de que esta nomeação emociona e reaviva em várias pessoas lembranças de fatos pouco conhecidos. Pedreira Lapa é personagem destas lembranças.
Em 1964, éramos muitos também na Bahia. No Quartel do Barbalho misturavam-se figuras históricas, como José Gorender, Filizola, Ascendino da Silva Bina, com outras pessoas que pouco ou quase nada tinham de participação política, e até loucos, confundidos com subversivos. Amontoávamo-nos em um só cubículo, que era inundado sempre que chovia. E dormíamos todos no chão. Nas celas ao lado, isolados, Mário Lima e Sebastião Nery.
Tive aí a primeira notícia deste advogado, José Borba Pedreira Lapa. Mas sem vê-lo. Apenas soube que meu irmão Osmar, sabendo-o defensor de presos políticos, tinha-o contratado para libertar-me.
Cinquenta e um dias depois de presos, 19 dos quais sem tomarmos banho, lavar o rosto nem escovar os dentes, fomos transferidos para outros quartéis. Na sala de visita dos presos, no 19o BC, conheci então Pedreira Lapa. De pronto afirmou que impetraria habeas corpus.
E de fato, em meados de agosto, o Superior Tribunal Militar nos concedeu o tão esperado “habeas”. Alguns estavam sendo ou já tinham sido soltos e nem sei se eram clientes de Lapa: Fernando Schimidt, Amilcar Maiardi, Sérgio Gaudenzi, Aristiliano Braga, Marcos Gorender, Cosme Ferreira, João dos Passos, João Cardoso e tantos outros. Mas sobrávamos alguns, oito dos quais fomos beneficiados pela decisão do Tribunal. Nosso decidido advogado conseguira uma grande vitória.
É verdade que de nada adiantou, porque fomos, os oito, imediatamente transferidos para o Quartel de Amaralina, às escondidas, onde ficamos presos por mais de 60 dias, 15 dos quais “desaparecidos”. E de lá só saímos pela grita geral do País contra as perseguições ideológicas, que terminou por levar até nós, em pessoa, o General Ernesto Geisel, enviado especial do Presidente Castelo Branco às prisões políticas brasileiras. Entre os oito, Fernando Alcoforado, Camilo de Jesus Lima, Everardo Píblio de Castro e seu filho Nudd, Wladimir Pomar e eu.
Reencontrei Pedreira Lapa logo depois, quando começou o processo do Centro Popular de Cultura (CPC), onde figurávamos Paulo e Rena Farias, José Carlos Capinam, Iracy Picanço, eu e inúmeros outros. Um dos nossos advogados era ele. E o certo é que em meados de 1967, acolhendo representação dos advogados, inclusive, é claro, Pedreira Lapa, o STM determinou seu arquivamento definitivo.
Em 1969, logo depois da decretação do AI- 5, quando alguns de nós fomos de novo presos, inclusive já uma nova geração de subversivos constituída de Sérgio Passarinho, Julio Ferreira, Aécio Pamponet, João Almeida, entre outros, Lapa estava novamente a postos, disponível, mas pouco pôde fazer contra o ato discriminatório e onipotente, que nos manteve no 19o BC por mais de 30 dias.
Em janeiro de 1970, o outro processo a que respondíamos desde 1966, Aristiliano Braga, Carlos Alberto Oliveira dos Santos (Caó), Fernando Alcoforado, Natal Teixeira Mendes, José Luis Pamponet, Fernando Machado e eu, chegou ao final. O defensor da maioria de nós? Pedreira Lapa. O resultado do julgamento foi adverso: condenação para todos, salvo Natal, por ser menor em 64.
Mas Lapa não desistiu e imediatamente elaborou pormenorizado recurso ao STM, do qual guardo cópia até hoje. Este recurso, aliás, foi feito, todo ele, na Casa de Detenção, tendo como datilógrafos eu e Caó. E mais: como somente foi possível terminá-lo de madrugada, Pedreira Lapa lá mesmo dormiu, na cela em que estávamos.
É este homem que Waldir Pires nomeia agora Conselheiro do Tribunal de Contas, fazendo justiça à sua integridade e à sua dedicação ao serviço público, inclusive ao próprio Tribunal, onde já era Auditor e Conselheiro Substituto. Isto, sem dúvida, o caracteriza na sociedade baiana.
Confesso, contudo, que não consigo vê-lo senão como advogado de presos políticos. Inclusive porque a imagem que me ficou mais gravada na memória é incompatível com o que imagino ser o plenário do Tribunal de Contas. Porque o José Borba Pedreira Lapa que jamais me sairá da mente é o advogado a quem nunca pagamos um tostão, que nos idos de março de 1970, trancado com sete presos políticos numa quente sala que nos servia de cela na Casa de Detenção, nu da cintura para cima, andando de um lado para o outro, ditava para Caó ou para mim, com intercaladas consultas a livros jurídicos que levara, o recurso que o Superior Tribunal Militar acolheu por unanimidade e nos declarou homens livres.
*Texto extraído da publicação “Credo dos Tribunais de Contas”, sobre a posse do Conselheiro José Borba Pedreira Lapa, no Tribunal de Contas da Bahia, em maio de 1987. Pedreira Lapa faleceu em outubro de 2009.
Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014
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