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Advogados

Arthur Lavigne Filho

12 de dezembro de 2022

Advogados de presos políticos

O que gostaria de dizer-lhes são coisas vividas em época tão intensa, que não caberiam nestas páginas que os editores encomendaram como forma de distinção e homenagem, às quais muito agradeço. Na verdade, nada foi realizado individualmente, mas em conjunto com notáveis colegas da advocacia política daqueles anos tão tormentosos. Procurarei registrar quatro passagens de tantas que participei como advogado criminal no âmbito político.

LEANDRO KONDER A FILOSOFIA VENCE A FORÇA

Começo pelo processo dos acusados de organizar e participar do Partido Comunista Brasileiro, composto por tão ilustres políticos, professores, intelectuais, artistas e estudiosos do panorama político daquela época. A mim, coube a defesa do filósofo e professor Leandro Konder.

Os acusados eram muitos e o julgamento tomou vários dias na Auditoria da Marinha. No decorrer do processo, quando todos os acusados estavam presentes, Leandro, sempre sereno, dedicou-se a ler livros durante as audiências. Lia tão alheio a tudo ao seu redor, que perguntei o que tanto lia. Respondeuse que estava lendo a doutrina Marxista. Percebendo espanto no meu olhar, procurou tranquilizar-me acrescentando:

“Não se preocupe, está em alemão.”

INÊS ETIENNE ROMEU LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

Inês Etienne respondeu a processo por infração a crime da Lei de Segurança Nacional, que dizia respeito ao sequestro do embaixador da Suíça, Giovanni Bucher. Em primeira instância, ela foi defendida pelo defensor público e condenada à prisão perpétua. Assumi o caso desde então, com o recurso de apelação ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.

O Recurso foi provido, em parte, e a pena fixada em 30 anos de prisão. O Ministério Público não se conformou e embargou da decisão para o retorno à pena máxima. A questão jurídica em debate era a ocorrência ou não da co-autoria no fator morte. Isto porque, no sequestro, houve a morte de um policial e se discutia se a pena de homicídio estendia-se a todos que participaram do sequestro ou se tão somente ao autor do disparo. A pena do crime de sequestro seria aplicada a todos.

A jurisprudência do Tribunal era a mais favorável. A pena foi confirmada com o não provimento dos embargos da Procuradoria da Justiça Militar. Nesta ocasião, foi promulgada nova Lei de Segurança Nacional, que estabelecia que a pena máxima deveria ser de oito anos. Interpus Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal e o Ministro relator, Moreira Alves, entendeu, nos autos, que deveria ser feita uma média entre a pena da lei revogada de 30 anos e a da lei nova de oito anos de prisão. Mediante petição, evidentemente, desisti do recurso, mas o Ministro despachou no sentido de ser submetida a desistência ao pleno do STF. Deixei o recurso extraordinário de lado e requeri ao juiz de 1ª instância a compatibilização da pena à lei nova. A Auditoria do Exército, em dois dias, ajustou a pena de Inês a oito anos. Em razão de já ter ela cumprido este tempo, Inês foi solta em 1979.

LYDA MONTEIRO DA SILVA FUNCIONÁRIA DA OAB

No dia 27 de agosto de 1980, uma carta bomba, endereçada ao Presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, explodiu nas mãos de alta funcionária, Lyda Monteiro da Silva que teve morte instantânea. No mesmo dia, houve quatro outros atentados terroristas na cidade do Rio de Janeiro: explosão de outras bombas na Câmara dos Vereadores, na sucursal do Jornal Tribuna de Luta Operária, além de outro atentado na Sunab. Na qualidade de Conselheiro Federal, fui designado para, como advogado, acompanhar as investigações.

O inquérito não teve qualquer eficácia, visto que, como era sabido, os atentados terroristas tinham por objetivo se contraporem ao processo de abertura política que se desenhava no cenário político nacional. Contudo, a encenação foi prolongada e demorada, com o indiciamento de um cidadão que acabou denunciado e absolvido pela Justiça Militar.

MAURICIO CORREA PRESIDENTE DA OAB – DISTRITO FEDERAL

A abertura política que conduziu o país ao estado democrático, com a eleição de uma Assembléia Constituinte, não foi tranquila e isenta de reação dos setores radicais do autoritarismo. A Ordem dos Advogados se destacava no movimento político de democratização. No Rio de Janeiro, em agosto de 1980, houve o ataque terrorista com a explosão de uma carta bomba dirigida ao então presidente do Conselho Federal, Eduardo Seabra Fagundes, que matou sua secretária Lyda Monteiro da Silva, funcionária do CF há mais de 30 anos.

Em Brasília, o presidente da seccional da OAB, Mauricio Correa, enfrentava séria oposição de militares contrários à abertura política. O Comandante Militar do Planalto, General Newton Cruz, havia instaurado um inquérito policial militar contra Mauricio Correa. A instauração do inquérito policial militar se dera quatro meses depois da ocorrência de um incêndio na sede da Ordem e do quase simultâneo lançamento de suspeita sobre origem criminosa do mesmo. O Presidente da OABDF movia, ele próprio, um outro processo contra o General Newton Cruz. Isso porque, na qualidade de executor das medidas de emergência, que pela primeira vez foram decretadas em Brasília, em 1983, o General Comandante do CMP requisitou uma placa comemorativa do I Encontro dos Advogados do DF e mandou invadir a sede da OAB, retirando gravações desse I Encontro.

Mauricio Correa, em 1º de Junho de l984, em discurso no comício pelas “ Diretas Já” chamara o General de “ psicopata”. O Comandante requisitou a instauração de inquérito policial militar e intimou o Presidente da OAB-DF a prestar declarações, alardeando que não seria permitida a presença de advogado o acompanhando.

Fui então designado pelo Conselho Federal da OAB para defender Mauricio Correa neste inquérito policial militar. Redigi um habeas corpus e me dirigi ao Superior Tribunal Militar, aonde solicitei ao seu Presidente, Ministro Heitor Luiz Mendes de Almeida, que garantisse a presença do advogado no depoimento do cliente no IPM. O Presidente solicitou que o Procurador Geral do STM diligenciasse no sentido da minha presença no depoimento, sob pena de ter que deferir o HC para o trancamento do inquérito. No dia determinado, assisti Mauricio Correa nas declarações no inquérito e ele então confirmou que de fato havia se referido ao General daquela forma. No dia seguinte, os jornais estamparam em primeira página as declarações de Mauricio no inquérito. Tal fato teve grande repercussão e propiciou a ele, que era candidato ao Senado Constituinte, a eleição em primeiro lugar na votação. Foi eleito Senador, posteriormente nomeado Ministro da Justiça e Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Arthur Lavigne Filho é Advogado Criminalista, ex- Conselheiro Federal da OAB, de 1979 a 1989, ex- Secretário Geral do Conselho Federal da OAB, de 1985 a 1987, ex- Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, de 1980 a 1987, ex- Secretário de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1994.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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