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Advogados

Carlos Cateb

6 de dezembro de 2022

Golpe de 64, algumas verdades

Certos fatos políticos prenunciavam um golpe contra a liberdade. Em Recife, o 1º Encontro de Ligas Camponesas/1962 (Julião e Arraes) e a Faculdade de Direito, onde me hospedei, foram alvos de ataques da Polícia Militar. No Congresso da UNE/1962 (Quitandinha/RJ), quando falava o Ministro Santiago Dantas, a Cavalaria da Polícia do Carlos Lacerda o invadiu, jogando bombas de efeito moral, obrigando todos a saírem para o lago às 23 horas. Um frio que doía! Criou-se, ali, a Ação Popular.

O regime de ditadura dificultou, e muito, a advocacia de presos políticos, especialmente diante das limitações jurídicas (suspensão dos direitos constitucionais) e a presença dos “fiscais” durante as visitas nas prisões. O DOPS e o SNI registravam todos os nossos movimentos, gravavam conversas e aulas ministradas. Como professor, fui convidado a pedir demissão da Faculdade de Direito para “viabilizar” seu reconhecimento pelo Ministério da Educação.

Por convicção e orientação dos presos, as defesas eram fundamentadas, também, nos princípios ideológicos norteadores dos atos e da luta social. Denunciamos torturas, mas os “juízes” desconsideravam as provas.

O Processo da Corrente, julgado na 4ª Auditoria Militar, no Teatro de Juiz de Fora, MG, demorou uma semana. Militares “ocuparam” a entrada e o auditório, ostentando fuzis e metralhadoras. A primeira sustentação foi minha. Protestei contra a presença da “tropa armada”. Uma intimidação inusitada e inadmissível. Li, em nome de todos, o Manifesto escrito pelo Gilney Amorim Viana, em nome dos presos. Um estrondo! No intervalo, o Dr. Mauro Seixas, Juiz Togado, que merece nosso reconhecimento por sua lealdade aos advogados e réus, perguntou-me se queria ser preso! A sentença condenou todos, ainda que para justificar o tempo de carceragem, já cumprido por meses e até anos.

Nossas visitas aos presos eram acompanhadas por policiais civis ou militares, armados, sempre atentos e muito perto de nós, numa pequena sala do Presídio de Linhares. A “turma” inventou uma estratégia. Afonso Cruz e eu aceitamos os riscos: o preso relatava as torturas e depoimentos em pequenino papel, retirava o fumo, inseria o bilhete e o cobria com fumo. A “marca” do cigarro era combinada; os “de fora” avisavam sobre batidas, quedas, interrogatórios, etc.. Trocávamos os “maços” colocados estrategicamente no banco. Tais procedimentos salvaram muitos militantes e tranquilizavam os familiares.

Os Alvarás de Soltura eram “visados” no Exército, antes da liberação. Com receio de perseguição ou nova prisão, esperávamos o limiar do horário e, raramente, viajávamos pela BR; às vezes, mudávamos o carro no trajeto. Algumas vezes fomos seguidos até o destino. Um estresse constante.

As torturas aconteceram nas prisões de forma cruel, principalmente nos interrogatórios. Denunciamos por escrito e da tribuna. Quando estive no Rio de Janeiro, para arquitetar as teses de defesa com um réu famoso, fiquei em seu apartamento, em Laranjeiras, mas somente o encontrava no “aparelho” ou na rua, absolutamente disfarçado. Fui denunciado pelo Procurador da 4ª Auditoria “por receber rubros” de Moscou, ahah…ele não compreendia, nem admitia, o exercício da advocacia, minha e do Afonso Cruz sem pagamento de honorários, para alguns presos.

O processo do José Carlos da Mata Machado, líder estudantil e da Ação Popular – AP, filho do saudoso Professor Edgard Godoy Mata Machado e Dona Yeda Novais da Mata Machado, nos abalou profundamente. Duas vezes os levei ao DOI-CODI, em São Paulo. Na primeira, não nos deixaram ver o “ZÉ”; na segunda, o “ZÉ” apresentava marcas de tortura…Disseram: “se machucou no pátio.” A visita, como sempre, muito vigiada. Meses depois, o Exército declarou sua morte em Recife-PE e o CORPO foi devolvido à família, em urna de ferro, lacrada, com proibição de abrir. ASSASSINADO!!

Minha homenagem aos que tombaram em defesa da liberdade e da justiça social no Brasil.

Carlos Augusto de Araujo Cateb foi diplomado pela Faculdade de Direito da UFMG, em 1966, advogou para presos políticos de 1967 a 1978; é ex-Professor de Processo Civil; ex-Secretário Geral da OAB/MG e ex-Presidente da CAA/MG; Presidente da Associação Profissionalizante do Menor (ASSPROM).

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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