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Advogados

Waldir Troncoso Peres

7 de dezembro de 2022

Minha homenagem aos presos políticos

Discurso proferido na Câmara Municipal de São Paulo, na sessão solene de homenagem aos advogados que defenderam perseguidos políticos durante o regime militar, em 4 de dezembro de 1998.

Cumprimento o ilustre Vereador José Mentor com muita reverência, com muito respeito, acima de tudo com muita devoção e com muito amor pela liderança que teve à frente desta homenagem.

Fazendo uma evocação da minha vida, tenho a impressão de que desde os primeiros pruridos, quando comecei a tomar consciência da vida, do mundo e da existência, havia uma brisa suave que me trazia o espírito de que a democracia era a condição de o homem viver e dois pressupostos eram fundamentais para a sua realização: a liberdade e a igualdade.

Ainda hoje, no encanecer da vida, quando a idade já avança, e muito, ainda carrego no espírito e sinto, talvez eu sinta mais do que reflita, que a ideia está muito mais introjetada por via intuitiva do que por via reflexiva, povoa meu espírito e abarca todas as suas emanações o convencimento dessa equação, a de que o ponto de confluência entre o máximo de igualdade e o máximo de liberdade é o ponto último em que se pode realizar a dignidade humana e o destino do homem para a felicidade coletiva.

Quer me parecer que devemos nos lembrar um pouco dos presos políticos e dos réus. Tenho uma suave lembrança dos homens que defendi; quando os alinho na minha imaginação e na minha representação interior, encontro criaturas em cujos espíritos havia um sonho, um idealismo, a suprema virtude, na expressão do grande Ingenieros. Foram homens honrados, sérios e honestos que lutavam simultaneamente por esses dois valores fundamentais da vida, pela liberdade e pela igualdade.

Naquele instante já se avolumava uma dissociação de ordem econômica entre os ricos, os poderosos e os banidos. Naquele momento já se castravam os humildes e os reduziam a escravos sem liberdade. De maneira que o réu da Justiça Militar, o réu da ditadura militar, muito mais do que podíamos educálo, nos educava. Os réus tinham a fé interior, tinham um ardor contagiante. E o entusiasmo, na expressão de Raul Pompéia, é contagiante como um incêndio.

Aqueles homens que viram essa ternura, esse sonho, essa esperança de uma pátria melhor, aqueles que não eram anárquicos sem destino, mas que tinham uma unidade filosófica dentro de si mesmos, com a consciência plena do que queriam – e o que eles queriam era uma unidade maior na Pátria – queriam era uma liberdade maior para os concidadãos, queriam a felicidade coletiva; era o impávido anseio de libertação do povo brasileiro.

A ditadura política, naquele modelo militar, foi superada, mas a democracia brasileira continua a precisar de homens iguais àqueles presos políticos, porque existe ditadura econômica, porque existe ainda opressão, que está presente, porque o liberalismo -“laissez-faire, laissez passer”- abandonou o homem, que agora coloca antes dele o “neo”, mas é o próprio liberalismo, uma erudição danosa para a vida nacional.

Dessa maneira, falando do fundo do coração, com absoluta legitimidade, com autenticidade, já nessa altura da existência – eu ainda conversava com o Pascoal, que já não temos mais que mentir, não precisamos mais mentir, não temos necessidade de captação de clientela, não temos nenhuma razão para a fraude, não precisamos viver do cinismo e da hipocrisia -, quando a idade e o tempo já nos deram o direito de uma expansão plena do coração, da alma, do sentimento, da intuição, nessa aventura da vida, quero dizer que é preciso reeditar o capítulo e recorrigir a vida; quero dizer que o que foi feito pelos advogados criminais foi uma parcela do todo; nós, advogados, aprendemos com os presos políticos, talvez esses presos tivessem tido muito mais nobreza do que nós.

Intérpretes e exegetas da lei com capacidade de proselitismo, quiçá com capacidade de engodo, um pouco, com capacidade de ludibrio, talvez em pequena escala, a grande verdade é que auferimos uma grande lição. Essa lição ainda ressoa no meu espírito, povoa a minha alma, corre no meu sangue, está dentro das minhas células, está introjetada no meu espírito: o exemplo dos heroicos presos políticos que precisam renascer para dentro de nós e introjetar esse sonho, esse idealismo de uma pátria melhor, mais igualitária, de uma divisão melhor da riqueza, de uma harmonia social, de um lugar em que se possa viver sem medo, de um País, de uma nação e de um povo que não tenham necessidade de contemplar os famintos pelas ruas. Hoje, então, quando se homenageiam os advogados criminais, pediria para fazer também, Vereador José Mentor, uma inversão, para se prestar uma grande, uma sentida, uma autêntica, uma legítima, uma plena homenagem aos presos políticos, aos que se foram e aos que não se foram, porque eles nos ensinaram muita coisa e a sua lição precisa ressumbrar para todo o sempre, a fim de que não se perca a memória da História, na expressão do nosso querido Pascoal Barbosa.

Waldir Troncoso Peres foi Advogado Criminalista, Procurador do Estado de São Paulo, defendeu muitas centenas de réus pobres, que não podiam contratar um advogado particular. Faleceu em abril de 2009.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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