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Advogados

Antonio Evaristo de Moraes Filho

12 de dezembro de 2022

Triste, porém, o Estado em que os advogados devem ser heróis para executar seu labor!

Renato de Moraes e Eduardo de Moraes*

Principalmente depois da decretação do Ato Institucional nº 5, no dia 13.12.1968, em inúmeros julgamentos, Antonio Evaristo de Moraes Filho, assomando à tribuna, conclamou pela independência dos tribunais castrenses, frente ao regime imposto, ao sustentar: “Se estamos aqui para condenar, eu me retiro, porque não participo de farsas.” E surtiu efeito a tonitruante oração, pois, no lugar do “milagre econômico”, retórica do governo Médici, entre 1969 e 1974, o “único milagre brasileiro autêntico era a Justiça Militar”.

Pode parecer irrazoável para quem não vivenciou, mas Evaristo repetia que a Justiça Militar, em pleno AI-5, era mais “liberal” do que o Judiciário redemocratizado.

Do quase meio século dedicado à advocacia, Evaristo, notadamente após a edição do AI-5, ocupou-se, com redobrado desassombro, da defesa de incontáveis perseguidos políticos. Entre eles, por exemplo, estão Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Renato Archer, José Aparecido de Oliveira e Marcello Alencar.

Do pai, o “velho” Evaristo de Moraes, assim como de Evandro Lins e Silva e de Sobral Pinto, isto à época do Estado Novo, Evaristinho1 herdou a tradição de não cobrar honorários, porque patrocinava, na essência, a liberdade e a democracia, os verdadeiros clientes do advogado criminal.

Devido a incompreensões inaceitáveis, em que a injusta carga lançada sobre os ombros dos constituintes era transferida aos constituídos, Evaristo teve a liberdade cerceada, em 20.12.1968, ao ser detido em decorrência de sua intimorata atividade profissional. No Rio de Janeiro, por situação idêntica, passaram, a título de ilustração, os advogados Sobral Pinto, Heleno Fragoso, Augusto Sussekind de Moraes Rego, o fraterno amigo George Tavares e Modesto da Silveira.

A propósito do encarceramento no Presídio Naval e da soltura, lembrou certa vez: “me soltaram na tarde seguinte, um sábado (…). Mas de manhã eu ainda estava na prisão e me mandaram para o banho de sol (…). O diabo foi na segunda-feira. Eu tinha que defender na Segunda Auditoria do Exército o Maurício Grabois, o João Amazonas, do PC do B, e o Lincoln Cordeiro Oest, que acabou fuzilado. Eram todos revéis. Confesso que tive medo. Afinal, 48 horas antes eu havia sido preso. Mas tive que tomar uma decisão e fui ao julgamento. Quando o promotor Osiris Josephson disse que eles atentavam contra a liberdade neste país, eu soltei os cachorros. Na verdade falei em causa própria, por conta da minha prisão. Eu estava sem equilíbrio emocional e fiz uma defesa de mim.”

Nenhum dos obstáculos que enfrentou ao longo do período ditatorial fez Evaristo recuar e, com a reconquista democrática, orgulhava-se, em retrospectiva, da profícua atuação do pequeno grupo de destemidos advogados, onde se incluem, além dos mencionados acima, Raul Lins e Silva, seguido por seu filho Técio Lins e Silva, Oswaldo Mendonça, Lino Machado e seu filho Nelio Machado, entre alguns outros.

Ao ser eleito Presidente Honorário da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas/ABRAC, em 1993, no discurso, o homenageado marcou a satisfação de ter contribuído para o ocaso da ditadura, ressaltando acerca da advocacia:

“Ainda que não nos mantenhamos na luta por sonhar com futuras honrarias, alimentemos, porém, a esperança de um dia recolher, como prêmio alentador, a glória do reconhecimento de que cumprimos, com dignidade, o nosso dever, ao defendermos a liberdade dos odiados e perseguidos.”

A frase-título deste singelo apanhado reflete bem o espírito sombrio que envolvia o desempenho do nosso múnus nos denominados “anos de chumbo” e, em mais um vaticínio, Evaristo pugnava que “esta foi uma fase da advocacia brasileira que está a exigir um historiador.”

O Deputado Federal José Mentor – em conjunto com a Câmara Federal e a OAB Nacional, em iniciativa pertinente, à luz dos 25 anos de vigência da Constituição da República, com a publicação de Coragem – A advocacia criminal nos anos de chumbo – está revisitando a história, pela voz imprescindível dos próprios advogados, equiparados por Justiniano a guerreiros.

1 – Evandro Lins e Silva, com fina ironia, atribuía à falta de criatividade do genitor a problemática existência de tantos Evaristos, explicando sobre o diminutivo: “O nosso Evaristinho, como o tratamos, com carinho e afeto, é para distingui-lo do pai e do irmão, seus homônimos…”(Luís Guilherme Vieira e Ricardo Pereira Lira, “Antonio Evaristo de Moraes Filho, por seus amigos”. RJ: Renovar, 2001, p. 4).

*Renato de Moraes e Eduardo de Moraes são Advogados Criminalistas e filhos de Antonio Evaristo de Moraes Filho que faleceu em março de 1997.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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