Joaquim Inácio Gomes
O heroico Partido
Revolucionário Retado
e Armado
Procurado por familiares de Nemézio Garcia, nos idos de 71, durante o período de terror de Médici, fui constituído seu advogado e, como tal, compareci à sede da Polícia Federal para exame dos autos do inquérito policial militar.
Em seu interrogatório encontrei perguntas e respostas que me deixaram completamente atordoado. Custava acreditar fosse verdade o que eu estava lendo.
Perguntado o que significava a sigla P.O.R.R.A., encontrada em uma carta que lhe fora dirigida por um companheiro, respondeu: Partido Operário Revolucionário Retado e Armado. Isto mesmo, com todas as letras.
Quase irritado, desculpo-me agora, perguntei ao meu cliente: “porque não disse que Porra é Porra, palavra que no linguajar de jovens significa sinônimo de irresponsável, exaltado e coisas que tais?” Nemésio, com expressão dura, olhando-me nos olhos, respondeu:
“Se o senhor estivesse aqui, no pau de arara, não encontraria nome melhor.”
Continuando com a expressão desesperada, informou:
“Tentei fazer o que o Senhor está me dizendo. Mas o capitão não aceitava minha versão. Ele queria a sigla do Partido Subversivo, até então desconhecido do DOI/CODI”, afirmou Nemézio.
“Capitulei”, disse ele para mim, e emendou: “passei a procurar um nome para o Partido. A busca durou horas de pau de arara: a cada nome que eu dizia, um policial com um tapa corrigia: falta um A, seu filho da puta. Outro nome, outra intervenção do policial: falta um O, seu filho da puta.
Até que meu sofrimento teve fim: o policial, vitorioso, proclamou: o DOI/CODI tinha razão. O partido existia e se chamava: PARTIDO REVOLUCIONÁRIO RETADO E ARMADO.” Dois anos depois, Nemézio Garcia apelou contra a decisão condenatória em primeiro grau.
Em conversa após o julgamento, eu afirmava que a prova maior de que meu cliente não fundara partido nenhum é que, se tivesse fundado na Bahia, com baianos, um partido RETADO e ARMADO, não haveria ditadura que resistisse 90 dias.
Joaquim Inácio Santos Gomes é Advogado e Presidente da Comissão da Verdade da OAB-BA.
Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014
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