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Advogados

Sadi Lima

6 de dezembro de 2022

A OAB/SC ajudou a restabelecer a democracia no país

Ao assumir a presidência da OAB catarinense, em 1979, estava consciente da realidade política brasileira. Tinha o firme propósito de seguir a diretriz traçada pelo ilustre batonnier Raimundo Faoro, no sentido do restabelecimento da Ordem Jurídica e o pleno Estado Democrático de Direito.

Vivíamos o signo da incerteza e da insegurança máxime, numa quadra conturbada. Ensaiavam-se os primeiros passos liberalizantes, visando, única e exclusivamente, ao afrouxamento da pressão imposta pelos mais significativos segmentos da sociedade brasileira. A meta dos governantes da época era assegurar a não transferência do poder, sem o uso da força, mas, sobretudo, pela razão.

No Estado de Direito que sonhávamos e almejávamos, sob o primado do Direito e da Justiça, ainda faltava muito a conquistar.

Este era o quadro que se vivia no período em que ocorreu o episódio denominado “Novembrada”, quando, em 30 de novembro de 1979, a população, liderada por estudantes, fez um protesto pedindo democracia, durante a visita do Presidente João Figueiredo a Florianópolis.

Recordo alguns momentos vividos, como quando me encontrava na calçada em frente ao Palácio do Governo e alguns manifestantes começaram a jogar pedras e paus. Interferi dizendo que aquela atitude somente prejudicaria o protesto. Fui vaiado na hora. Entretanto, insisti, explicando que era presidente da OAB. Foi quando a maioria começou a aplaudir, dizendo em coro: “Ele é nosso, ele é nosso.”

O enfrentamento público entre Figueiredo e a população teve enorme repercussão em todo o País. O clima ficou muito tenso e teve desdobramentos inesperados.

Os poderosos do momento não esperavam essa reação por parte dos florianopolitanos. Evidente que precisavam arranjar alguém para incriminar e os escolhidos foram os estudantes.

A ordem veio de Brasília. Horas depois do incidente, prenderam cinco estudantes: Marize Lippel, Rosângela de Souza, Amilton Alexandre, Geraldo Barbosa e Newton Vasconcelos Júnior. Faltavam dois, pois a ordem era para prender todos os líderes estudantis.

Naquela noite recebi um telefonema solicitando minha presença na Assembleia Legislativa do Estado. Apesar de fazer indagações e querer saber quem estava ligando, o interlocutor somente pedia que entrasse por uma porta lateral, sem prestar maiores informações.

Fiquei tenso e preocupado, pois diante do clima que estávamos vivendo e pelo fato de estar na presidência da OAB catarinense, tudo poderia acontecer.

Ao chegar no local encontrei os deputados Francisco Kuster e Nelson Wedekin, entre outros, que apresentaram os estudantes Adolfo Dias e Ligia Giovanella. A solicitação era que eu entrasse em contato com o superintendente da Polícia Federal para apresentar os dois jovens.

No dia seguinte, junto com os dois deputados, acompanhamos os estudantes até a sede da Polícia Federal e eles foram imediatamente presos.

Após acompanharmos os primeiros depoimentos e prestarmos a assistência necessária, foi iniciada uma campanha para evitar o enquadramento e obter a soltura dos estudantes. A OAB se fez presente mais uma vez e, junto com outros segmentos da sociedade catarinense, pressionou e conseguiu a liberdade dos sete estudantes, entre 11 e 13 de dezembro.

Depois conseguimos uma audiência com o Ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, o que aconteceu em 24 de janeiro de 1980, com a presença das mães dos estudantes.

A visita foi para pedir que os estudantes não fossem denunciados no processo. Relatei ao Ministro que não havia prova nos autos de que os estudantes estavam presentes no incidente, no centro da Capital.

Ressaltei ainda que achava estranho que de toda a multidão só tenham sido indiciados os sete líderes estudantis. As mães saíram esperançosas da audiência com o Ministro, embora este tivesse afirmado que não poderia interferir na independência do Ministério Público.

Infelizmente, os estudantes foram enquadrados e processados com base na Lei de Segurança Nacional, sob acusação de terem ofendido o Presidente da República. Em fevereiro de 1981, porém, eles foram levados a julgamento na Justiça Militar, em Curitiba, quando foram inocentados por falta de provas.

Segundo os historiadores, o que ocorreu em Florianópolis foi um acontecimento político que passou a representar, na história brasileira, o início do fim do Regime Militar e o restabelecimento da democracia no Brasil.

Sadi Lima é Advogado Criminalista, Sub-Defensor Público do Estado de Santa Catarina, ex-Presidente da OAB-SC, ex-Procurador Geral do Estado de SC, ex- Conselheiro Federal da OAB e ex-Presidente do Figueirense Futebol Clube.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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