Sálvio Dino
A Santa
Henrique de la Rocque Almeida não pertence apenas ao mundo político, como um dos poucos bons parlamentares maranhenses no Congresso Nacional. Pertence também ao mundo advocatício, especialmente em 64, quando as liberdades democráticas viraram letras mortas.
Dele se contam mil e uma pequenas histórias, em defesa de seus clientes/amigos/eleitores. São histórias verídicas, embora a figura do nosso bem-amado, homem público, não rime muitas vezes com o que dele se conte.
Esta, eu a conheço bem de perto, como advogado coadjuvante nos tempos de chumbo. Maria Aragão, médica competente, destemida em prol das hostes esquerdistas continuava encarcerada, além do prazo estabelecido na própria Lei de Segurança Nacional (formação de culpa dos indiciados: 50 dias).
O valoroso advogado/parlamentar, junto ao Superior Tribunal Militar, ingressou com um bem fundamentado Habeas Corpus, postulando a liberdade da médica, nossa conterrânea. Conhecido como “bom de papo”, portador de excelente relacionamento com o juízes, em virtude de seu proverbial espírito democrático e a cordialidade em pessoa, La Rocque foi conversar com o Relator, antes do julgamento do remédio heroico.
Meu caro Ministro, como Vossa Excelência bem o sabe, o padre Antonio Vieira, em seu notável Sermão da Segunda Domingas, sabiamente nos adverte: “Deus julga o que conhece, os homens julgam o que não conhecem. Por isso mesmo é muito difícil julgar e tanto mais difícil sem a ajuda e a inspiração divina.”
E prosseguiu: “Ora, a doutora Maria Aragão, além de ser uma profissional de peso e medida, de reconhecida ação no campo social, é uma mulher virtuosa, verdadeira santa e, de”… Bem aí, o Ministro Relator o aparteou, educadamente:
“Mas, meu caro Dr. La Rocque, aqui, os autos dizem o contrário. Falam de uma militante ativa, perigosa comunista.” E com um sabor irônico nos lábios: “Ela é, no mínimo, uma mulher satânica ou sacana…”
O velho e matreiro advogado das auditorias castrenses, em cima da bucha, sem perder a linha pensamental do julgador, num tom amigável, com a sua humildade bem característica, disse: “Não, não, meu caro mestre. Ela é, com certeza, uma mulher de lutas de fundo social… Uma mulher sacrossanta… Tudo o que dizem dela é pura intrigada da oposição…”
Pelo sim, pelo não, o fato é que, momentos depois, Maria, concebida com ou sem pecado, quiçá, com a inspiração divina apregoada pelo genial sermonista, o maior da língua portuguesa, passou a ver e sentir o sol da liberdade.
Sálvio Dino (Sálvio de Jesus de Castro e Costa) é Advogado Criminalista, ex- Fundador e Conselheiro da OAB-MA, Vereador de São Luís, Deputado Estadual e Prefeito de João Lisboa.
Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014
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