Geraldo Magela de Almeida
Advocacia como missão
Cláudio Daniel Fonseca de Almeida*
Geraldo Magela de Almeida foi mais que um advogado que honrou a ética advocatícia e os deveres dos advogados. Antes de mais nada, foi um brilhante e intransigente defensor das liberdades em nosso País e uma pessoa marcada por um profundo sentimento humanista, especialmente no período mais duro da história do Brasil.
Enxergava a advocacia não como uma profissão, mas como uma missão e um modo de viver, para ajudar pessoas que lutavam pelo respeito ao próximo, assim como ele, naquele difícil período iniciado no fatídico ano de 1964.
Nascido com grave cardiopatia e vindo de família pobre do norte do Estado de Minas Gerais, jamais se deixou abater ou mesmo se diminuir por tais fatos, sendo conhecido e amado por todos, pelo seu extremo bom humor e seu enorme carisma. Dotado de extraordinário conhecimento jurídico e enorme cultura, fez de tais características um meio para combater o sofrimento humano, que se escancarava pelas ruas e era cada vez mais lembrado e repudiado pelos que decidiram lutar contra todas as formas de violência do Estado, naquele período. Assim, transformou sua curta trajetória entre nós em exemplo de humanidade e de amor ao próximo.
Ainda que tenha atuado perante a Justiça Comum, seu brilhantismo se manifestou de maneira mais marcante na atuação perante a Justiça Militar, especialmente quanto aos crimes contra a “segurança nacional”, tendo atuado perante a sede de Juiz de Fora/ MG.
O mais emblemático dos casos foi marcado por verdadeiro trabalho investigativo, que comprovou a falsidade de laudo pericial que atestava a culpa de seu cliente pela morte de um civil, após troca de tiros entre o mesmo e policiais, o que impediu que seu cliente fosse sentenciado à pena de morte, uma vez que a perícia verdadeira afirmou que a munição que atingiu o civil fora disparada de onde estavam os policiais militares, e não os opositores do regime militar.
A devoção de Magela (como gostava de ser chamado) à causa era tamanha, que ele não se intimidou nem quando seu carro foi alvo de explosão por meio de uma bomba relógio, plantada pelo Estado dias antes do julgamento, continuando na defesa do acusado e sustentando firmemente sua inocência, mesmo que em julgamento anterior o mesmo réu tenha sido condenado à morte pelo mesmo fato, conseguindo a absolvição.
É inspirador saber que este tipo de ato de coragem era mais comum do que podemos imaginar na vida de Magela, que sempre enfrentou os braços da ditadura militar com destemor e com a certeza de que todos, inclusive ele, estavam lutando pela realização do sonho de um mundo melhor para todos.
Outro episódio marcante de atuação perante a Justiça Militar foi a defesa, junto com outros três colegas, de mais de cem réus em processo conjunto, em sessão que durou cerca de uma semana.
Advogou também para diversas organizações políticas com linhagem de esquerda, como PCB, Ação Popular, Ação Libertadora Nacional, Ala Vermelha do PC do B etc., bem como advogou para DCEs universitários e para jornalistas, estes muitas vezes cassados pelo regime ditatorial existente.
Esses e outros episódios vividos por Magela são exemplos importantes do que fez pela liberdade e pela geração que sofreu diretamente os impactos desse período de exceção. As atuais e futuras gerações, que vivem a restauração da normalidade no Brasil, devem ter consciência do que ele e tantos outros fizeram pelo Estado Democrático de Direito. Ele e tantos outros são símbolos de coragem e de luta por um mundo melhor.
Aquele ensolarado 15 de novembro de 1993 não ficou marcado só por ser mais um aniversário da proclamação da República, mas por ter criado uma saudade imensa, que aperta o peito não só de seus familiares, mas de todos aqueles que o conheceram e o tiveram como querido. Não apenas o Brasil perdeu um grande Advogado, como seus amigos perderam um grande companheiro das manhãs de sábado no “Pelicano”, e seus filhos ficamos sem a presença daquele que nos amou profunda e incondicionalmente, com muito carinho e dedicação em todos os instantes.
Mesmo que todos tenhamos o desejo de que sua permanência entre nós fosse ao menos um pouco maior, ficou a convicção de que tudo aquilo que Magela representou como pessoa, como pai, como amigo e como advogado são a certeza de que a sua missão foi cumprida com o maior êxito e a maior alegria do mundo, servindo de inspiração não só como profissional do Direito que defendeu os direitos dos vulneráveis de nossa sociedade, mas como pessoa profundamente amada e que amava a todos à sua volta, na certeza de que um dia o mundo seria um lugar para menos diferenças e mais amor ao próximo.
Ficou a saudade de uma pessoa extraordinária, que amava acima de tudo o direito de cada um ser feliz. Ficou para cada um de nós o exemplo de um lutador que sempre manteve a alegria e a esperança, mesmo em seus momentos de maior dificuldade, servindo de inspiração em cada dia de nossas vidas.
*Cláudio Daniel Fonseca de Almeida é Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais e filho de Geraldo Magela.
Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014
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