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Advogados

José Roberto Leal de Carvalho

12 de dezembro de 2022

O dever de não se intimidar

Constituiu para mim motivo de grata satisfação, ao ser louvado com a láurea de “criminalista militante”, pela Câmara Municipal de São Paulo e, depois, pela Câmara dos Deputados, por iniciativa do então Vereador e hoje Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores, José Mentor, na homenagem aos advogados que atuaram nas Auditorias Militares, nas décadas de 60 e 70.

Houve apenas um equívoco na honrosa qualificação de “criminalista militante”, pois que, em verdade, eu apenas desempenhei o papel de “criminalista itinerante”, naquele período fatídico que se instaurou no país a partir do golpe militar de 1964. Eu era um advogado engajado nas lutas políticas sociais do povo brasileiro, de participação intensa e variada nos movímentos populares, como se fora ainda o estudante já então considerado subversivo, desde os tempos da União Nacional do Estudantes (UNE) , da qual fui Secretário de Assistência Jurídica, juntamente com meu colega e fraterno amigo Márcio Rolemberg, (que viria falecer como juiz de direito em Pernambuco) nos duros tempos do Brasil em guerra contra o nazi-facismo. Já então eu era acusado da insidiosa pecha de conspirador comunista a serviço da União Soviética e subsidiado pelo tão falado “ouro de Moscou”, que jamais passou pelas minhas algibeiras.

Cassado na primeira leva do golpe militar, em setembro de 1964 (Governo do Gal. Castelo Branco), tive o dissabor de viver algum tempo na aflição dos subterrâneos da liberdade, quando a 2ª Auditoria Militar decretou minha prisão preventiva, no famoso processo das Cadernetas de Prestes, no qual estavam implicadas 76 pessoas. Em minha companhia, além de Luiz Carlos Prestes, encontrava-se a fina flor do Partidão, dentre os quais Carlos Mariguela, Câmara Ferreira, Mário Schenberg, Vollanova Artigas, Caio Prado Jr., João Belline Burza, Álvaro de Faria, e o histórico fundador do PCB, escritor Astrogildo Pereira.

O decreto da prisão preventiva viria me dar grande notoriedade como advogado e, particularmente, como “criminalista militante”, o que absolutamente eu não era e jamais desejei ser. Explico a razão: estudante de direito na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, às vésperas de receber meu diploma e ainda convocado para o serviço militar durante a guerra, fui trabalhar como assistente do Advogado de Ofício, que era o defensor público da época. Daí nasceu o meu horror à polícia, lidando com ela, tal como o Presidente Wenceslau Braz, que detestava a polícia, com a qual se atritou ao transpor o portão dos jardins do Palácio do Catete, na sobriedade de um passeio noturno nas calçadas da Praia do Flamengo, em companhia do deputado e “leader” do Governo Raul Sá. Até hoje tenho assombrações noturnas perturbadoras dos devaneios dos meus sonhos. Como estava dizendo, em face da prisão preventiva, meu primo-irmão Raul Lins e Silva, que era excelente criminalista, cuidou de impetrar um Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Militar, por falta de justa causa, redigindo uma peça jurídica de um verdadeiro cientista do direito penal. Combinou com o grande Sobral Pinto a estratégia de sustentar oralmente o pedido a meu favor, cabendo a tarefa de fazê-lo, mas em nome de Astrogildo Pereira. Assisti meio disfarçado ao julgamento, que terminou pela concessão unânime dos dois HC.

Tal fato causou na Auditoria Militar de São Paulo um grande reboliço e imensa frustração. O juiz auditor tão zangado e ofendido em seus brios ”patrióticos” caiu na asneira de estender os efeitos da decisão do STJ a todos os implicados no processo, a partir de Luiz Carlos Prestes. Foi grande o alvoroço publicitário em torno do assunto, pois o Tribunal cassou a decisão flagrantemente ilegal do juiz auditor. Daí nasceu a minha notoriedade como “criminalista militante”, quando na verdade eu não passaria de um criminalista itinerante, dali em diante defensor dos companheiros que restaram acusados da conspiração comunista contra a ordem política e social vigente.

Tornei-me, da noite para o dia, uma espécie de salvador da pátria, procurado por uma imensidão de pessoas perseguidas e acusadas pela ditadura militar. É a única explicação que tenho para justificar o honroso titulo de “criminalista militante”, na justa e linda festa em homenagem aos advogados que batalharam em defesa dos presos e perseguidos políticos. Mas creio que dos advogados homenageados naquela solenidade da Câmara Municipal, e depois, na Câmara dos Deputados, o único que ostentava o título glorioso de cassado pelo Ato Institucional No 1, quase no alvorecer da ditadura militar, nas primeiras levas das cassações, foi este modesto escriba, no prelúdio da comemoração dos seus 80 anos, fiel aos seus ideais da juventude, hoje mais avançados e mais projetados para o futuro. Felizmente, como jovem, não tive a velhice prematura das ideias conservadoras. Hoje, já velho, conservo as ideias novas da minha juventude, pelo que me sinto ainda com a vitalidade dos jovens. Não foi por acaso que me tornei um “militante” do Partido dos Trabalhadores, conservando os mesmos sentimentos de horror à polícia, o que jamais me poderia fazer militante criminalista.

Aldo Lins e Silva foi Advogado – Militante do PT. Faleceu em abril de 2010

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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