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Advogados

José Verres Domingues

7 de dezembro de 2022

Coragem e integridade na defesa de presos políticos

Kiev Santos Domingues*
Volio Santos Domingues*

Em meio à repressão e ao terror da ditadura militar, inúmeros foram os episódios que meu velho pai e amigo enfrentou como presidente da OAB/AL. Tentarei relatar alguns deles, resumidamente.

NA AUDITORIA DA SÉTIMA REGIÃO MILITAR:

Em 1971, José Verres Domingues estava no terceiro mandato de Presidente da OAB Seccional de Alagoas, numa audiência na Auditoria da 7a. Região Militar, defendendo um preso político e reagiu com firmeza quando o Coronel-Auditor deu um tapa na mesa de audiências, como uma forma clara de manifestação agressiva de poder e intimidação. Ato contínuo, o Dr. Verres retribuiu dando outro tapa, maior ainda, sobre a mesa, exigindo que o respeitasse e se comportasse com a devida postura que a função exigia, pois o mesmo estava desacatando não o advogado, mas a Ordem dos Advogados do Brasil. De imediato o Auditor parou, fixou bem nos olhos do causídico e pediu desculpas, solicitando que a audiência continuasse.

INVASÃO DE UMA ASSEMBLEIA DE TRABALHADORES – TEOTÔNIO VILELA

Outro fato marcante de sua vida, foi quando o Dr. José Verres era advogado de sindicatos, além de membro da Universidade Federal de Alagoas. Ele estava dando assistência numa assembleia do Sindicato dos Trabalhadores em Fiação e Tecelagem de Fernão Velho, num bairro operário antigo de Maceió, quando foi avisado que o ex-Senador Teotônio Vilela, um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN) em Alagoas, à qual pertencia e que apoiara o Golpe militar de 64, estava indo em direção ao sindicato, onde estava ocorrendo a reunião dos operários, empunhando uma metralhadora e acompanhado de vários policiais. Após ter sido a entidade cercada, o Dr. Verres pôs-se à frente do sindicato e bradou que o Senador fosse embora e que ali estavam pais de família e não bandidos. Ao reconhecer o Dr. Verres, o Senador deu meia volta e foi embora, levando os seus homens.

ATUAÇÃO NO DOI-CODI/RJ

Meu pai sempre foi destemido e advogado de diversos sindicalistas e ativistas políticos, como Manoel Fiel Filho (trucidado pela ditadura, tempos depois), Ronaldo Lessa (ex-Governador de Alagoas), Jayme Amorim de Miranda (advogado assassinado pelo sistema repressivo político da Aeronáutica), Rubens Colaço (ativista sindical), Dênis Agra (jornalista também já falecido), além de centenas de outras pessoas pelo País, incluindo a retirada de vários presos políticos do DOI-CODI, no Rio de Janeiro, cumprindo inúmeras missões determinadas pelo Conselho Federal da OAB.

NA CADEIA, ATENDENDO OS PRESOS POLÍTICOS

Doutor Verres, como era chamado pelos colegas e em sua militância, conseguiu se comunicar com alguns presos políticos, na Cadeia, algumas vezes falando em outro idioma (o mesmo falava com fluência seis idiomas: inglês, espanhol, italiano, alemão e alguma coisa de russo, além de sua língua vernácula) com alguns deles que eram mais instruídos e também eram intelectuais, o que impedia que os seguranças entendessem o que se estava tratando.

SUA DESPEDIDA DO TERCEIRO MANDATO DE PRESIDENTE DA ORDEM

Ao final de seu terceiro mandato, quando da posse do novo Conselho, em 1974, em seu discurso de despedida do cargo, com voz embargada e com o sentimento do dever cumprido, conclamou à nova Diretoria e ao Conselho que continuassem a luta em prol das liberdades democráticas, que somente deveria cessar após o restabelecimento da Ordem democrática no Estado e no País.

A BOMBA NA OAB

Como formou-se na antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ), teve a sua primeira inscrição como advogado junto à Seccional do Rio de Janeiro, com o nº. 8.600, tendo retornado para Alagoas em meados de 1960, mas sempre mantendo os vínculos profissionais e de amizade com a Cidade do Rio de Janeiro, até a sua morte, acontecida há oito anos, em 04 de julho de 2005.

Numa dessas viagens ao Rio de Janeiro, onde fora participar de uma reunião ordinária do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros, do qual era membro efetivo, visitou a sede da Ordem, um ou dois dias antes da morte de D. Lida Monteiro da Silva, que era a mais antiga funcionária da OAB, secretária do Presidente do Conselho Federal e que morreu na explosão de uma carta-bomba, endereçada ao chefe. Contava-nos ele que, como gozava de amizade com os funcionários de lá, a Sra. Lida confidenciou que estava prevendo que algo de ruim aconteceria contra a Ordem dos Advogados do Brasil e que temia pela liberdade do Presidente, do Conselho e da Diretoria. E todas as vezes que meu pai contava essa lembrança, saiam lágrimas dos seus olhos, de emoção e de tristeza pela morte da amiga e pelo ato terrorista cometido contra uma entidade pacifista e lutadora pelos Direitos do povo brasileiro a que tanto ele se dedicou, durante boa parte de sua vida.

POUCOS MESES ANTES DE SUA MORTE

Poucos meses antes de sua morte, aos 81 anos, já fragilizado, meu pai confidenciou ao meu irmão Vólio, que também é advogado militante em Alagoas, que gostaria que seu nome tivesse entrado para a História, ao que meu irmão respondeu-lhe que ele não pensasse assim, pois o nome dele já estava perpetuado na História, como ex-Presidente da OAB e Conselheiro Nato e defensor incansável das liberdades democráticas, e que daqui a cem anos ou mais, seu nome estaria ainda e sempre estará no Pantheon da História do Brasil. Imediatamente meu pai pediu-lhe um abraço, agradeceu pela lembrança dessa memória e chorou com lágrimas de conforto.

Meu pai, José Verres Domingues, deixou três filhos, Rosa Alcina Santos Domingues (médica em São Paulo), Volio Santos Domingues (Advogado em Alagoas) e minha pessoa, Kiev Santos Domingues (Advogado no Rio de Janeiro), que vivenciaram sua labuta e entrega em prol do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Humanos, da advocacia e da família, onde sempre esteve ao seu lado sua esposa, nossa saudosa mãe, Filomena Santos Domingues, a qual jamais poderia deixar de mencionar, falecida dois meses antes do meu pai, em 2005.

*Kiev Santos Domingues é Advogado no Rio de Janeiro e Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros. *Volio Santos Domingues é Advogado em Alagoas

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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