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Advogados

Paulo Roberto Pereira-Badhu

13 de dezembro de 2022

Duas histórias

Na época do regime militar, eu tinha escritório em Niterói e a gente se reunia no bar para conversar sobre política, futebol… E o garçom, chamado Toninho, que era muito simpático, me pediu: “Dr. Paulo, eu queria falar com o senhor, queria que me desse um minuto de atenção.” Ele, então, me contou o caso de um Senhor chamado Oswaldo, que tinha a profissão de carpinteiro e vivia perseguido por um carro do DOPS, aquele fusca preto e branco, de Niterói, que era a Capital do antigo Estado do Rio de Janeiro.

Eu fui atendê-lo, fui falar com o Senhor Oswaldo, e perguntei: “ O senhor está metido com algo ilícito? Se falar a verdade eu tenho mais condições de defendê-lo.” Ele disse que não, nunca esteve envolvido com nada de errado.

Então eu procurei o diretor do DOPS, da época, Delegado Rogério Mont Karp, e falei a ele: “O rapaz está sendo perseguido e não está conseguindo mais trabalhar, porque fica se escondendo da patrulha, que chega lá toda hora, só esta semana foram oito vezes, duas vezes no mesmo dia. Está sendo chamado até de ordinário, porque não consegue entregar os serviços, mas ele não fez nada.”

O delegado, que era um homem muito gentil, disse: “Dr. Paulo, traz o rapaz aqui para eu ouvilo, ele não vai ficar preso, eu prometo.” Então, marcamos uma data para ele ser ouvido.

Eu voltei a conversar com o Senhor Oswaldo, para instrui-lo, e ele tremia como uma vara verde. Quando chegamos à Secretaria de Segurança, onde funcionava o DOPS, as pernas dele tremiam tanto, coitado, que eu pensei que fosse ter um infarto. Eu dei uma água a ele, esperei que se acalmasse e, depois, fomos falar com o delegado. Então, o Senhor Oswaldo contou que não tinha nada a ver com o movimento comunista, que não participava de nenhum aparelho, como eles chamavam, não estava envolvido com nada disso.

O escrivão anotou tudo o que ele falou, que não era comunista, que a patrulha tinha ido lá, que ele ficou com medo e correu. Na realidade, a patrulha foi lá a mando do próprio Dr. Rogério, para intimálo, porque ele tinha recebido de algum órgão de segurança, a informação de que lá havia um aparelho, mas era só uma intriga.

Quando terminou o depoimento, o escrivão chamou o Dr. Rogério e mostrou a ele a carteira de identidade do Senhor Oswaldo. O Dr. Rogério olhou e deu um sorriso, assim, que eu não entendi, e me passou a identidade do rapaz: “Olha aqui o nome dele”. Eu li, e o nome escrito ali era Lenine José de Oliveira. Uma coincidência infeliz para a época. Oswaldo não era o nome verdadeiro, era o apelido que ele tinha no bairro de Tribobó, em Niterói. A polícia achou que ele usava Oswaldo para encobrir o Lenine, mas eu disse a eles que não, era só coincidência.

Depois disso nunca mais procuraram o Lenine. O garçom, quando eu chegava, falava: “ Isso que é advogado. Ele foi lá, peitou o delegado, e o delegado não foi mais na casa do Oswaldo”. Eu dizia que não era nada disso, que não peitei delegado nenhum. Mas ele sempre falava isso, quando eu entrava no bar. E o Senhor Oswaldo, como agradecimento, me dava umas galinhas ou um porco para comer no Natal.

Outro caso que não esqueço, mas este muito triste, foi do Aldo Soares Pinto. A família me contratou, porque ele estava preso há mais de 15 dias e não sabiam o paradeiro dele. Naquela época não havia mais habeas corpus, então nós fazíamos uma petição ao I Exército, para que informasse onde o cliente estava. Abrindo um parênteses aqui, o doutor Técio Lins e Silva é que foi o precursor dessa prática de fazer a petição, a fim de localizar um cliente sequestrado, que acabava tendo o mesmo efeito de um habeas corpus, que não era para soltar, mas para saber onde estava o cliente, a fim de poder oficializar a prisão e evitar que matassem a pessoa.

Pouco depois, a família do Aldo me ligou: “Dr. Paulo, o Aldo está solto. O senhor entrou com habeas corpus?” Eu disse que não.

O que eles fizeram? Levaram o Aldo à Praça 15 e soltaram, todo arrebentado.

Ele, então, telefonou para a família de um orelhão, com a ajuda de populares simpáticos ao movimento contra revolucionário, e a família foi pegá-lo na Praça 15. Ele passou quase seis meses internado, porque tinham arrebentado ele todo na tortura.

Por ironia do destino, depois de defender presos políticos, quando veio a redemocratização, fui nomeado pelo Almirante Saboia como procurador geral da Base Aérea de São Pedro da Aldeia. Acabei trabalhando dois anos, do outro lado do balcão.

Paulo Roberto Pereira-Badhu é Advogado Criminalista, formado em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Foi Presidente, por 26 anos, da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da 20ª Subseção da OAB/RJ. Autor do livro “Pena de Morte, Erros Judiciários e Injustiças”.

Reprodução/Livro: ” Coragem – A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo “, Iniciativa: OAB e OABSP, Organização: José Mentor, Março, 2014



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