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STM não reconhece habeas corpus de militante do PCB conhecido por participar da Tomada da Faculdade de Direito da USP em 1968

4 de outubro de 2023

Em uma rápida e protocolar sessão secreta realizada na manhã de 27 de outubro de 1975, o Superior Tribunal Militar (STM) negou reconhecimento ao habeas corpus para Henrique D’Aragona Buzzoni, advogado paulistano de 30 anos e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em São Paulo (SP), que, segundo o pedido impetrado por sua advogada Elizabeth Diniz Martins Souto, havia sido abordado em sua casa e preso de forma arbitrária por homens que alegavam pertencer ao DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) do IIº Exército, semanas antes, no dia 7 de outubro.

Presidida pelo Ministro Tenente-Brigadeiro do Ar, Carlos Alberto Huet de Oliveira Sampaio, a 88ª sessão do STM, naquela manhã, foi breve. Após realizar a abertura do julgamento, o presidente passou a palavra ao relator do caso, o Ministro Almirante de Esquadra Sylvio Monteiro Moutinho, que realizou a leitura do habeas corpus. As informações trazidas pela advogada evidenciam o autoritarismo da prisão de Buzzoni, uma vez que os agentes não apresentaram mandado, nem notificaram a Justiça:

“ (…) Foi preso no dia 7 de outubro de 1975, às 00h30, ou seja, pela madrugada, em sua casa, na presença de sua esposa grávida, por elementos que se diziam pertencer ao DOI-Codi de São Paulo, sem portarem ordem escrita de autoridade competente. Até a presente data, a prisão não foi comunicada às autoridades competentes e os familiares desconhecem o local em que tenha sido detido e por que razão o foi”.

No pedido, a advogada argumentou pela liberdade de Buzzoni ou, ao menos, pela garantia de seus direitos de preso e a legitimidade de sua prisão.

“A caso pelas informações recebidas se verificar que se imputa ao paciente delito contra a Segurança Nacional, requer a esta Egrégia Corte seja a presente ordem de habeas-corpus convertida em Representação para os fins de que seja comunicada a prisão do paciente à autoridade competente e quebrada a sua incomunicabilidade no prazo legal.”


Ela ainda apontou a Polícia Federal, o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e o Comandante do II Exército como autoridades co-autoras. Contudo, informou o relator, 1o dias após ser preso, o Comandante do II Exército havia informado que Henrique fora detido por envolvimento em atividades subversivas junto ao PCB, “não se encontrando incomunicável e tendo sido sua prisão comunicada à autoridade competente”.

Por fim, o Ministro relator Moutinho destacou a recomendação da Procuradoria-Geral da Justiça Militar para que o STM não tomasse conhecimento do pedido, tendo como base o artigo 10 do AI-5. Encerrando sua fala, ele dá seu voto, seguindo a orientação da Procuradoria.

Ao retomar a palavra, Carlos Alberto Huet de Oliveira Sampaio, ministro presidente, questionou a corte: “Debates?”. Estavam presentes os ministros Dr. Amarílio Lopes Salgado, General do Exército Syseno Sarmento, Dr. Jacy Guimarães Pinheiro, Almirante de Esquadra Hélio Ramos de Azevedo Leite, General do Exército Rodrigo Octávio Jordão Ramos, Tenente-Brigadeiro do Ar Honório Pinto Pereira de Magalhães Neto e Tenente-Brigadeiro do Ar Faber Cintra.

Mas, sem qualquer discussão e deixando diversas dúvidas no ar, por unanimidade, o Tribunal decidiu não tomar conhecimento do habeas corpus. A sessão secreta encerrou-se, selando o destino de Henrique e deixando-o à mercê da repressão que assolava o país.

Militância universitária, Partidão e causa sindical

Henrique D’Aragona Buzzoni foi um dos principais personagens da Tomada da Faculdade de Direito da USP, um dos episódios mais marcantes da resistência estudantil no Brasil durante o regime militar.

A manhã seguia tranquila no centro de São Paulo (SP) naquele fatídico dia 23 de junho de 1968, como costumavam ser tranquilas as manhãs de domingo na região, até que, nos fundos do prédio da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, uma movimentação atípica começou a acontecer.

Eram os diretores do Centro Acadêmico XI de Agosto que, às pressas, decidiram convocar os estudantes para uma assembleia naquele mesmo dia. Buzzoni, então com 23 anos, respondeu prontamente à convocação. Deixou de lado a apostila de Direito Comercial que estudava para a prova do dia seguinte e correu em direção ao “porão”, nome pelo qual é conhecido o espaço em que se localiza o Centro Acadêmico da faculdade. Lá, se juntou aos demais colegas que já iniciavam o ato.

“Participei de uma movimentada assembleia em que se discutia, em curto resumo, que aos estudantes cabia a importante função de ser o ‘gatilho da revolução’, como estava ocorrendo na França. A proposta era tomar a Faculdade de Direito. Hoje diríamos ‘ocupar’”, relata Buzzoni no livro “Arcadas no Tempo da Ditadura”.

Capa do livro “Arcadas no Tempo da Ditadura”, organizado por Buzzoni.

Proclamado o resultado unânime, sem perda de tempo, a tomada começou. A ocupação durou quase um mês, foi marcada pela intimidação da Polícia Militar, do DOPS e do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e culminou com a prisão dos envolvidos. Buzzoni foi encarcerado no Presídio do Hipódromo, no Brás.

Décadas depois, já aos 63 anos, em parceria com outros 57 estudantes daquele período, o advogado paulistano organizou e publicou a obra “Arcadas no Tempo da Ditadura”, com memórias da ocupação. O livro foi lançado pela Editora Saraiva, em 2007.

Militante do movimento estudantil quando estudante de Direito do Largo São Francisco (USP) e membro do Partidão, o PCB, durante a juventude, Buzzoni foi preso, condenado e impedido de exercer a profissão ao longo do regime militar. Após o período de repressão, continuou sua trajetória como advogado, sempre ligado ao movimento sindical, tendo atuado por décadas no Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-Sp).

Faleceu aos 77 anos, na capital paulista, no dia 12 de agosto de 2022, um dia após a leitura da “Carta Pela Democracia”, no Largo São Francisco – um manifesto a favor do sistema eleitoral, das urnas eletrônicas e de outros pilares democráticos diante da escalada autoritária dos ataques contra o Estado Democrático de Direito no Brasil.



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