
STM mantém condenação de militante que não negou apoiar ideias da Ação Popular Marxista-Leninista
Como Antonio Neto Barbosa não só não negou sua participação na Ação Popular Marxista-Leninista (APML) como disse que endossava as ideias da organização, o Superior Tribunal Militar (STM) manteve, em 1976, sentença que o condenou a 3 anos de prisão.
O Ministério Público Militar (MPM) denunciou Antonio Neto Barbosa pelo crime de filiação a grupo que exerça atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional, previsto no artigo 14 da Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei 898/1969) e punido com pena de 2 a 5 anos de reclusão, para os organizadores ou mantenedores, e de 6 meses a 2 anos, para os demais.
O MPM citou que, em interrogatório policial, Barbosa contou que ingressou na APML em 1968. Inicialmente, ele atuou em movimentos estudantis em Minas Gerais. Preso pela ditadura, no ano seguinte ele foi condenado à revelia a 1 ano e 6 meses de prisão.
Depois disso, caiu na clandestinidade e foi para o antigo estado da Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro), assumindo a direção regional da APML. Em 1970, foi transferido pela organização para São Paulo. O militante promoveu diversas reuniões com o comando da seccional de São Bernardo do Campo e da cidade de São Paulo visando à reorganização do trabalho partidário nas seções política, operária, de luta interna, de elaboração de documentos, de política estudantil de pequena burguesia, entre outras.
Barbosa também participou de outras reuniões com o comando da AMPL. Em uma delas, realizada em 1970 em uma casa alugada na praia, os militantes debateram a situação política, ideológica e organizativa da organização em plano nacional e as tarefas políticas a serem desenvolvidas. Em outra, ocorrida em outubro de 1971 em uma igreja ao lado do cemitério de Vila Formosa, Zona Leste da capital paulista, os integrantes da associação discutiram um plano político para a área de cidade de São Paulo.
Em evento em comemoração ao Dia do Trabalho, o militante foi detido no Centro de São Paulo quando participava de um comício. Agentes da repressão apreenderam material de panfletagem de conteúdo subversivo. Barbosa confessou ter sido um dos autores dos documentos, além de o autor de manuscritos políticos.
Para o MPM, Antonio Neto Barbosa foi ativo militante, dirigente e reorganizador da APML em São Paulo. O próprio militante definiu a organização nos seguintes termos:
“O objetivo da APML a longo prazo é a implantação do socialismo, criando as premissas materiais para constituição do comunismo. A médio prazo, a instalação de um governo democrático e popular, libertando o país da dominação imperialista, desenvolvendo a reforma agrária e outras iniciativas de caráter popular. A curto prazo, a mobilização do povo para a atual derrubada do regime, por entender que este é o único caminho que tem para ser percorrido para a concepção daqueles dois outros objetivos. A linha política da APML é revolução nacional democrática. O caminho para atingir esse objetivo é o da derrubada do atual regime através da guerra popular, tendo como base a aliança operário-camponesa”.
A denúncia do MPM baseou-se nos materiais subversivos apreendidos com o militante — “planos subversivos, documentos, manifestos, jornalecos clandestinos [como o Voz Operária] contra os militares, contra o governo, contra o general Médici, é uma coisa horrorosa”, conforme o ministro do STM Alcides Carneiro — e na sua confissão de participação na APML.
No inquérito, Barbosa confessou totalmente os fatos que lhe foram imputados. Em juízo, ele voltou atrás em certos pontos, dizendo que não era dirigente da entidade, apenas filiado. Contudo, não negou que acreditava nos ideais do movimento. Como disse ter sofrido tortura, foi submetido a exame físico. Porém, peritos constataram que ele não foi alvo de sevícias.
A defesa do militante, comandada pelo advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, sustentou que os fatos não configuravam o crime do artigo 14 da Lei de Segurança Nacional, pois não ficou provado que ele recebeu auxílio de organização estrangeira.
O Conselho Permanente de Justiça, órgão da Justiça Militar encarregado de julgar soldados e civis, condenou Antonio Neto Barbosa a 3 anos de reclusão. A pena foi fixada acima do mínimo legal — de 2 anos — por ser “o acusado um criminoso político profissional e perigoso”. O conselho ainda suspendeu os direitos políticos do militante por cinco anos.
A defesa interpôs apelação ao STM, reforçando o argumento de que não houve crime por falta de prova de auxílio estrangeiro. Além disso, alegou que o militante era mero filiado, e não dirigente da APML.
Palavra de honra
Em sessão pública em 5 de abril de 1976, o relator do caso no STM, ministro togado Alcides Carneiro, apontou que o próprio Antonio Neto Barbosa “não pretende ser solto” — pois ele confessou fazer parte da APML.
O magistrado ressaltou ter ficado provado que o militante recebia uma mensalidade da organização para atuar em nome dela. O ministro destacou que a APML sempre lutou contra a falta de recursos, mas que Barbosa “era estipendiado com quantias minguadas, 100 cruzeiros, 200 cruzeiros, mas era estipendiado” — algo confessado pelo militante.
Mesmo com os baixos valores que recebia de mensalidade, Barbosa era um nome importante da organização, disse o relator. Ele também mencionou que o militante confessou sua atuação na entidade, mesmo que tenha parcialmente voltado atrás durante o processo.
“Mas a sua ação foi intensa, ele [Antonio Neto Barbosa] era realmente um dirigente do movimento. Em toda parte que ele chegava, ele era o elemento, tudo isso está confessado com riqueza de detalhes mesmo, seu depoimento no inquérito. Em juízo, ele não deixa de confessar em parte a denúncia. Admite que tem essas ideias, realmente, e acha que são as verdadeiras e que democracia é isso, que são as ideias do futuro e que ele não se arrepende”.
Ainda assim, Carneiro declarou que esteve inclinado a reduzir a pena de Barbosa para 2 anos e 6 meses de prisão. Contudo, ele mudou de ideia ao lembrar que o militante já havia sido condenado a 1 anos e 6 meses devido à atuação em movimentos estudantis em Minas Gerais.
“Quer dizer, é um ‘profissionalizado’, como diz a denúncia, e parece que a pena que ele merece mesmo é essa aqui que foi condenado, de 3 anos”, apontou Carneiro, ao votar para negar a apelação da defesa e manter a sentença.
O ministro militar Sampaio Fernandes afirmou que a ação de Barbosa foi de “tentar praticar atos destinados a provocar uma guerra subversiva, deposição do governo pela força”. Sendo assim, questionou se a conduta dele não se enquadraria no crime de praticar atos destinados a provocar guerra revolucionária ou subversiva, estabelecido pelo artigo 25 a Lei de Segurança Nacional e com pena mais alta, de 5 a 15 anos de reclusão.
Contudo, Alcides Carneiro pontuou que não era possível enquadrar os fatos praticados por Barbosa no artigo 25 nem no artigo 43 da Lei de Segurança Nacional — reorganização de partido político proibido por lei, delito punido com pena de 2 a 5 anos de prisão. O relator citou que a Justiça Militar vinha entendendo que os integrantes de instituições que combatiam a ditadura, como VAR-Palmares, Ação Libertadora Nacional (ALN) e APML praticavam o crime do artigo 14 da norma, consistente em filiação a grupo que exerça atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional. “Não é justo mudar, porque todos os outros foram julgados dessa forma”, afirmou Carneiro.
Os demais ministros seguiram o voto do relator, e o STM, por unanimidade, negou a apelação da defesa de Barbosa.
Jornalista contra a ditadura
Natural de Poços de Caldas (MG), Antonio Neto Barbosa, conhecido como Barbosinha, cursou Economia na Universidade Federal de Minas Gerais. Posteriormente, presidiu o diretório paulista do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Ele foi dirigente do jornal Movimento, um dos veículos de imprensa que mais combateu a ditadura militar. Barbosinha entrou em embates por criticar o estilo mais jornalístico de cobertura, defendendo uma abordagem mais voltada para a ação política e a derrubada do regime militar.
Propagando essa linha editorial, Barbosinha, em 1977, pressionou para assumir o controle do Movimento. Porém, ele se enfraqueceu devido ao fracasso de Assuntos, que era uma seção de Movimento e depois virou um jornal que buscava “divulgar os trabalhos populares em linguagem simples, dirigida à grande massa, tratando de temas que fortaleçam o nível de consciência e organização popular”, conforme o livro Jornalistas e revolucionários — nos tempos da imprensa alternativa, de Bernardo Kucinski.
O jornalista Raimundo Pereira convenceu a direção de Movimento da inviabilidade de Assuntos, que havia vendido 1,47 mil exemplares em outubro de 1977. Os dirigentes extinguiram o veículo e excluíram Barbosinha e seu grupo da organização.
Em 1975, Barbosinha foi um dos signatários de uma lista de 233 torturadores feita por presos políticos. O documento foi enviado ao então presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Caio Mário da Silva Pereira. Porém, a lista só foi noticiada pela primeira vez em 1978, no semanário alternativo Em Tempo. O documento não teve grande repercussão na época.
O primeiro torturador que constava do documento era o major Carlos Alberto Brilhante Ustra. Ele chefiou o DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo e ficou conhecido como Major Tibiriçá. Segundo a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, enquanto Ustra esteve à frente do órgão, houve 40 mortes em 40 meses, assim como uma denúncia de tortura a cada 60 horas.
Em 2008, Ustra tornou-se o primeiro agente da ditadura militar a ser reconhecido como torturador pela Justiça. A 23ª Vara Cível de São Paulo o declarou responsável pela prática de sevícias contra presos políticos. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça paulista em 2012.
Porém, Ustra não foi punido criminalmente devido à Lei da Anistia. No Brasil, a norma isentou todos os agentes da ditadura militar, ao contrário do que ocorreu em outros países da América do Sul, como Argentina, Uruguai e Chile.
Ao manifestar-se pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016, o então deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) dedicou seu voto à “memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”.
Militante do VAR-Palmares, Dilma foi presa e intensamente torturada nos quase três anos que ficou encarcerada durante a ditadura, em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Submetida ao pau de arara, à palmatória e a choques e socos, ela ficou com problemas permanentes em sua arcada dentária.
Mesmo com a apologia explícita à ditadura militar e a às torturas e assassinatos de opositores políticos, Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República em 2018 e perdeu a disputa por mais um mandato em 2022 para Lula (PT) por pouco mais de 2 milhões de votos, a margem mais apertada da história do Brasil.
Livro: O “BAGULHÃO”, A VOZ DOS PRESOS POLÍTICOS CONTRA A DITADURA