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Por falta de provas de tortura e presunção de idoneidade de policiais, STM condena sete militantes do PCdoB por propaganda subversiva

19 de janeiro de 2023

Apelação 41.648(RJ)

Por entender que militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) não comprovaram as alegações de tortura e que agentes policiais “são presumidamente idôneos por exercerem função pública de relevante interesse social”, o Superior Tribunal Militar, em sessão secreta em 1978, condenou opositores da ditadura pelos crimes de propaganda subversiva por quaisquer meios de comunicação e aliciamento de pessoas em local de trabalho ou ensino, previstos no artigo 45, incisos I e II, da Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei 898/1969).

Treze militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) foram acusados de propaganda subversiva. Confessaram o delito no inquérito, porém o negaram em juízo, alegando terem admitido as práticas sob coação física e moral de agentes militares. Com base na confissão e em materiais subversivos apreendidos e aliciamento de pessoas, o STM condenou sete dos réus.

O Ministério Público Militar (MPM) denunciou, em 5 de fevereiro de 1975, Orlando Magalhães Pontes, Élcio Violante, Sérgio Athaide da Silva, Armando Botelho Soares de Freitas, Nilton de Medeiros, Nilton Lucas Capareli, Ana Maria Gonçalves, Antonio Alberto de Souza, Antonio Borges de Oliveira, Romero Passos, Sérgio Nunes Mureb Simões, Francisco Carcará da Silva e Antonio Viana por “fazer propaganda subversiva, utilizando-se de quaisquer meios de comunicação social”, crime estabelecido pelo artigo 45, I, da Lei de Segurança Nacional.

A punição do crime era de 1 a 3 anos de reclusão ou 2 a 4 anos, se representasse uma ameaça à segurança nacional. No caso de Orlando Magalhães Pontes, o MPM pediu ainda a combinação com o artigo 49, inciso I, da Lei de Segurança Nacional, que agravava a pena para funcionários públicos.

Segundo o MPM, a propaganda foi feita principalmente em movimentos de base bancários e jornalísticos no Rio de Janeiro, todos sob orientação do comitê centro-sul do PCdoB.

O material supostamente subversivo foi apreendido em buscas na casa dos acusados e no Banco Boa Vista, onde Francisco Carcará trabalhava havia mais de 15 anos. Após a perícia, agentes da ditadura concluíram que se tratava de material de propaganda que incitava levantes contra o governo militar.

No inquérito policial militar (IPM), todos confessaram a sua participação nas atividades supostamente subversivas. Em juízo, entretanto, negaram o que contaram no IPM, alegando que o disseram sob coação física e moral. Alguns dos réus chegaram a afirmar que sofreram tortura. Contudo, não apontaram os autores nem o local em que ela teria ocorrido. 

As testemunhas de acusação, os militares Waldemar Gulhe, José Carlos Lousada, Antonio Gomes Moreir, assistiram aos depoimentos e declararam que não houve coação.

O Conselho Permanente de Justiça, órgão da Justiça Militar encarregado de julgar soldados e civis, recebeu a denúncia e absolveu, em 7 de dezembro de 1976, todos os réus da acusação de propaganda subversiva.

O MPM recorreu da decisão, reafirmando as acusações. Em relação às alegações de coação para assumir os crimes, a procuradoria citou diversos precedentes do STM no sentido de que “as confissões extrajudiciais prestadas perante autoridades investigantes e devidamente testemunhadas subsistem como provas de responsabilidade desde que com provas os acusados não as elidam”.

Com base no argumento da validade das confissões prestadas no inquérito e nos materiais subversivos apreendidos, o MPM pediu a condenação dos militantes, não só pelo inciso I do artigo 45 da Lei de Segurança Nacional (propaganda subversiva por quaisquer meios de comunicação), mas também pelo inciso II de tal dispositivo (aliciamento de pessoas em local de trabalho ou ensino) e pelo artigo 43 (reorganização de partido ilegal). O MPM requereu, ainda, a aplicação da agravante para Orlando Magalhães Pontes por ser funcionário público (artigo 49, inciso I) e a absolvição de Antonio Viana Sales e Sérgio Mureb Simões.

Alegações de tortura

Em sessão secreta de julgamento da apelação do STM, em 15 de fevereiro de 1978, o ministro revisor, o militar Faber Cintra, afirmou que “as alegações dos acusados em juízo, de que sofreram violações morais e físicas, não podem ser consideradas, pois [estão] desprovidas de qualquer elemento probatório, por mais simplório que fosse”. Segundo Cintra, caso houvesse tortura, as lesões teriam sido facilmente constatadas no exame de corpo de delito ou laudo médico (mesmo que particular), já que nenhum dos acusados foi mantido preso por prazo superior ao previsto por lei (30 dias, podendo ser prorrogado uma vez).

Cintra reforçou seu argumento dizendo que os acusados, buscando invalidar as confissões, deram depoimentos, em juízo, “os mais díspares possíveis”, que não levam a nenhuma prova concreta.

O ministro disse que “o acusado Antonio Viana Sales chega ao absurdo de alusões incriminatórias às autoridades militares, afirmando que seu nariz sangra até então, isto é, até a data do seu interrogatório, um ano após a prisão e, para tanto, não traz nenhuma prova aos autos da prisão que seria das mais simples”.

Na sentença consta que as declarações no inquérito foram prestadas, segundo relato dos próprios acusados em juízo, sob violenta coação, após haverem permanecido presos durante cerca de 30 dias.

O ministro Faber Cintra manifestou sua discordância com o relato dos militantes. “Entendo que opiniões desta espécie inseridas na sentença aviltam de modo geral o interesse da Justiça em termos de credibilidade da prova colhida no inquérito, ao tempo que ocasionam efeitos perniciosos na repressão policial exigida e efetuada tão somente no interesse do Estado e da sociedade”.

Além disso, Cintra apontou que o STM já expressou, por meio do ministro almirante Júlio de Sá Bierrenbach, o seu repúdio aos maus tratos a pessoas que se encontravam sob custódia de órgãos policiais. Porém, ressaltou que, naquele caso, as provas de coação física eram inequívocas.

Já no julgamento que estava ocorrendo, o ministro alegou que a situação era diferente, pois não se poderia confiar “pura e simplesmente na palavra dos acusados em vista contra a dignidade das funções policiais exercidas por oficial superior do nosso Exército, no caso o coronel Iris Lustosa. (…) Posso garantir que o coronel Iris Lustosa é digno de toda confiança como homem militar”.

Cintra concluiu seu argumento ressaltando que endossava completamente a visão do procurador Oswaldo Lima Rodrigues, que disse: “Sinto-me em melhor companhia confiando na palavra do encarregado do inquérito”.

Em resposta ao ministro, um dos advogados de defesa, Pinheiro Machado, salientou que o exame pericial dentro do prazo legal de 30 dias de prisão não quer dizer muita coisa, já que os hematomas são capazes de serem curados nesse tempo.

De qualquer forma, o criminalista afirmou que a defesa não se fundamentava nas alegações de torturas. A questão central “não se coloca nos termos das declarações colhidas em inquérito, e sim nas provas produzidas em juízo”, que, segundo Pinheiro Machado, eram insuficientes.

Sobre o material de propaganda que teria sido confiscado no Banco Boa Vista, onde Carcará trabalhava havia 15 anos, Pinheiro Machado questionou por que as autoridades não buscaram testemunhas na própria instituição financeira que comprovassem que a apreensão de fato se deu nesse lugar.

O advogado reforçou que não foi feita prova de que alguém recebeu, de qualquer dos acusados, jornais ou panfletos, e que, portanto, o material apreendido não foi objeto de utilização conforme consta na lei. De acordo com Pinheiro Machado, também não foi feita qualquer prova concreta de que os acusados aliciavam pessoas nos locais de trabalho nem de tentativa de reorganização de partido político proibido por lei, como alegou o MPM na apelação. 

Com tom irônico, o procurador-geral de Justiça Militar, Milton Menezes da Costa Filho, afirmou que a defesa se apresentou como um “navio à deriva”, já que não conseguiu sustentar a existência de coação física e moral no inquérito e depois declarou, na sessão de apelação, que pouco importava se tinha havido tortura ou não. Segundo o chefe do MPM, a tortura foi possivelmente o “ponto principal da própria sentença e talvez o único que agasalhou a improcedência do texto.”

O procurador então disse que, se a questão da tortura não é importante para a defesa, para o MPM o é. Isso porque se não tivesse havido tortura, as confissões extrajudiciais seriam válidas para os crimes contra a segurança nacional, como entendia o Supremo Tribunal Federal. Costa Filho ainda destacou que a existência ou não de tortura é importante ao MPM por uma questão de violação aos direitos humanos.

Além disso, o procurador-geral ressaltou que as acusações não estavam baseadas apenas nas confissões, mas também em diversos materiais apreendidos, que foram periciados. Conforme Costa Filho, houve panfletagem quando um muro foi objeto de fichamento, e a colagem foi feita nele. Por esse motivo, disse, não se sustentaria a alegação da defesa de que os documentos apreendidos não configuravam provas suficientes de propaganda subversiva por não ter havido publicidade.

O procurador concluiu sua sustentação oral afirmando que, no entendimento do MPM, os fatos configuram um crime-fim de reorganização de partido político ilegal, previsto no artigo 43 da Lei de Segurança Nacional.

Condenação pelo STM

O relator do caso, o ministro togado Ruy Pessoa, seguiu a mesma linha de argumentação do revisor e do procurador-geral de Justiça Militar. O magistrado afirmou que a doutrina e a jurisprudência contrariam o argumento da defesa de que as provas colhidas não observaram o princípio do contraditório. Citou, como exemplo, uma decisão do STF de 1977, cuja ementa dizia: “O princípio da contrariedade previsto no artigo 153, parágrafo 16, da Constituição, deve ser observado na instrução criminal e jamais na investigação criminal, pois essa é inquisitória e incontraditável por natureza”.

Dessa forma, quanto às torturas físicas e morais que todos os acusados alegaram ter sofrido no inquérito, Ruy Pessoa disse que elas precisariam ser comprovadas – e não o foram. “Simples alegações lançadas em depoimento não podem receber credibilidade, sobretudo quando as testemunhas instrumentárias afirmam que as confissões por elas presenciadas, por todo tempo, foram tomadas livremente, sem coação”.

Sobre essa questão, o relator citou outra decisão do Supremo de 1977. No Recurso Criminal 86.926, a Corte concluiu que “os agentes policiais podem ser testemunhas e são presumidamente idôneos por exercerem função pública de relevante interesse social”.

Pessoa também questionou o argumento da defesa quanto à invalidade das provas de propaganda subversiva. Em sua visão, as confissões em conjunto formavam um bloco coerente que se sustentava. Do contrário, os acusados teriam que apresentar provas de suas declarações em juízo, conforme os artigos 296, parágrafo 1º (“inverte-se o ônus de provar se a lei presume o fato até prova em contrário”), e 306, parágrafo 3º (“se o acusado negar a imputação no todo ou em parte, será convidado a indicar as provas da verdade de suas declarações”), ambos do Código de Processo Penal Militar.

O ministro entendeu, assim, que os acusados eram de fato divulgadores de material subversivo. Ele mencionou o militante Francisco Carcará da Silva, em cuja residência foram apreendidos para remessa 207 envelopes com material subversivo destinados a várias agências do Banco Boa Vista. De acordo com o relator, os panfletos apresentavam críticas à política salarial do governo, buscando incitar um levante da classe dos bancários contra o regime militar.

Com base nisso, Ruy Pessoa concluiu afirmando que não se tratava apenas de porte de material subversivo – que, no entendimento do STF, não configurava crime -, mas sim de propaganda ideológica e subversiva no meio bancário.

Um dos ministros presentes na sessão secreta, não identificado, questionou o argumento do relator de que tais apreensões configuravam prova do crime. “Então não há prova de que foi divulgado, há prova que se quis divulgar, então nós ficamos nesse dilema, se apreende, pode tá envelopado prontinho, até com o endereço de todo mundo, mas se não houver a prova de que recebeu emitido por alguém o documento subversivo…não tem como a gente encontrar a certeza de que foi divulgado”.

Dessa maneira, o relator aceitou em parte o recurso do MPM e votou pela condenação de Orlando Magalhães Pontes, Élcio Violante, Sérgio Athaide, Nilton Lucas Capareli, Ana Maria Gonçalves, Antonio Alberto de Souza e Francisco Carcará pelo crime de propaganda subversiva, incluindo tanto a divulgação por quaisquer meios de comunicação quanto o aliciamento de pessoas em local de trabalho ou ensino (artigo 45, incisos I e II da Lei de Segurança Nacional). No caso de Orlando Magalhães Pontes, ele opinou pela aplicação do agravante previsto no artigo 49, inciso I, da norma, já que ele era funcionário público.

Em relação aos demais acusados, Pessoa votou pela manutenção da sentença absolutória, por entender que eles serviram como meros portadores de instrumentos para os demais na rede de propaganda subversiva que se instalou entre os bancários.

O ministro revisor, o militar Faber Cintra, abriu a divergência. Ele apontou que os crimes configuram reorganização de partido político ilegal – no caso, o PCdoB. Por isso, votou pela condenação dos mesmos acusados, mas pelo delito do artigo 43 da Lei de Segurança Nacional, que previa uma pena mais severa, de 2 a 5 anos de prisão. Em relação aos demais, também votou pela absolvição.

A votação terminou empatada, com 5 votos no sentido do relator e 5 votos no do revisor. Outro ministro votou pela manutenção da sentença de primeira instância, que absolveu todos os réus. Conforme o regimento do STM, em caso de empate, quando isso ocorria, prevalecia a condenação menos prejudicial aos réus.

Assim, o STM seguiu o voto do relator e condenou, por propaganda subversiva por quaisquer meios de comunicação e aliciamento de pessoas em local de trabalho ou ensino (artigo 45, I e II, da Lei de Segurança Nacional), Orlando Magalhães Pontes (com o agravante de ser funcionário publicado, recebeu pena de 1 ano e 3 meses de reclusão); Élcio Violante e Sérgio Athaide (1 ano e 1 mês de reclusão); e Nilton Lucas Capareli, Ana Maria Gonçalves, Antonio Alberto de Souza e Francisco Carcará (1 ano de reclusão).

Armando Botelho Soares de Freitas, Nilton de Medeiros, Antonio Borges de Oliveira, Romero Passos e Sérgio Nunes Mureb Simões foram absolvidos pelo tribunal. 

Apelação 41.648(RJ)



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