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A “Casa dos horrores”

19 de setembro de 2023

As designações variavam: “Casa da vovó”, “açougue”, “Casa dos horrores”. O fato é que, quem caísse no 921 da rua Tutóia com a rua Dr. Tomás Carvalhal, no bairro do Paraíso (capital paulista), corria sério risco de não sair de lá vivo. O DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) do IIº Exército funcionou entre 1969 e 1991 (quando oficialmente a associação entre polícia e exército terminou). Por suas celas passaram mais de 6.700 presos. Destes, segundo levantamento feito pela Comissão Nacional da Verdade, pelo menos 56 foram assassinados em decorrência das torturas ou em confrontos com os agentes. Não há dados oficiais sobre o número de desaparecidos.

Foto: Oswaldo de Oliveira Santos Junior/Núcleo Memória

A origem do destacamento remonta a 1969, quando foi criada a Operação Bandeirante. Com estratégia militar e com táticas policiais, o destacamento abrigou integrantes das Forças Armadas – com predominância do Exército – e das Polícias Civil, Militar e Federal. A entrada do terreno ainda abriga o prédio do 36º Distrito Policial.

A base ideológica era filha da doutrina da Segurança Nacional, interpretada na Escola Superior de Guerra (ESG) e aprendida na National War College, dos Estados Unidos. Referência nacional como modelo de repressão, o DOI-Codi centralizou o combate aos militantes e grupos de esquerda que se opunham à ditadura civil-militar de 1964.

Poderiam eles ser militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), da Ação Libertadora Nacional (ALN), da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e da Ala Vermelha; ou estudantes, professores e trabalhadores suspeitos de possuir alguma vinculação com a esquerda.

Nas garras do Dr. Tibiriçá

Nenhuma decisão dentro do DOI-Codi, nada de mais importante, se cumpria sem a anuência do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou a “repartição” entre 1970 e 1974. Métodos de tortura e instrumentos de suplício como espancamentos, “pau-de-arara”, choque elétrico e “afogamentos” aconteciam sob a supervisão ou participação direta do “Dr.Tibiriçá”, como também era conhecido.

Alguns casos ganharam notoriedade pública, como a morte do estudante de geologia da USP e militante da ALN Alexandre Vannucchi Leme, de 22 anos. Preso em São Paulo, em 1973, ele foi sequestrado e levado para o DOI-Codi. Recém operado do apêndice, foi torturado e não suportou os ferimentos.

O operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, membro do PCB, foi preso em São Paulo, em 1976, e levado à “Casa da vovó”. As circunstâncias coincidem com a regra do destacamento: sinais evidentes de torturas, hematomas generalizados. Posteriormente, os órgãos de segurança alegaram que o operário havia se enforcado em sua cela com as próprias meias, farsa desmascarada posteriormente.

O jornalista na TV Cultura Vladimir Herzog, militante do PCB, foi morto em 1975. O crime aconteceu após ele ter se apresentado, de forma voluntária, para depor perante os militares. A versão oficial da época foi a de que Herzog teria se enforcado com um cinto. A farsa foi sustentada por um laudo do médico legista Harry Shibata.

Porém, a imagem da cela mostra que o corpo do jornalista pendia da grade de uma janela, e que ele estava quase ajoelhado, o que tornava a versão do suicídio insustentável.

Após o assassinato de Herzog, oito mil pessoas se reuniram na Catedral da Sé. O ato foi considerado como a primeira grande manifestação de protesto da sociedade civil contra as práticas da ditadura. Quatro anos depois, o DOI-Codi deixou de interrogar e torturar e passou a acompanhar os movimentos dos militantes, coincidindo com os primeiros sinais da crise do regime.

O coronel Ustra, que morreu em 2015, foi condenado pela Justiça, em 2008, como torturador durante a ditadura militar. Em 2021, dados do Portal da Transparência revelaram sua promoção, pelo Exército, a marechal, posto normalmente atribuído aos heróis de guerra.

Esta é a terceira parte de uma série de reportagens sobre o antigo DOI-Codi
+ Leia a primeira parte: DOI-Codi vai “falar”
+ Leia a segunda parte: Sobreviventes aprovam resgate histórico de escavações no antigo prédio do DOI-Codi em São Paulo



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